A importância de uma política criminal que invista mais em política social e menos na repressão penal marcou os debates da mostra de painéis Direitos Humanos e Política Criminal, que ocorreu durante toda a manhã desta quarta-feira (11) no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Organizado pelo ministro Sebastião Reis Júnior, o evento contou com a presença do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins; da pró-reitora e diretora da Universidade Cândido Mendes, Andreya Mendes Navarro; do desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Arnoldo Camanho de Assis; da presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juíza Renata Gil, e da presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juíza Noemia Porto.
Em seu discurso, o ministro Humberto Martins falou sobre o duplo papel da política criminal, que, além de disciplinar as penalidades, precisa garantir os direitos fundamentais dos infratores. Martins destacou o desafio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão responsável pela fiscalização e pela elaboração de iniciativas relacionadas ao sistema carcerário, assim como pelo acompanhamento da execução de medidas socioeducativas.
“O CNJ está atuando fortemente no sentido de dotar o Poder Judiciário de mecanismos que possibilitem a identificação e a adoção de medidas tendentes a melhorar o sistema carcerário, pois o Judiciário brasileiro não pode ser partícipe de um sistema prisional em que a superlotação é a regra, no qual a oferta de educação e trabalho é irrisória, e em que as pessoas privadas de liberdade estão, também, privadas de condições adequadas de higiene e salubridade. Juízes e tribunais não podem transigir com o rol de ilegalidades que hoje é a tônica do sistema prisional pátrio”, disse o corregedor.
Questão delicada
O primeiro painel, com o tema “Direitos humanos e política criminal”, foi presidido pelo ministro Sebastião Reis Júnior. “A ideia do encontro é discutir uma questão delicada que estamos vivenciando neste momento. Hoje, aquele que se preocupa com direitos humanos parece estar criando uma espécie de ‘obstáculo’ ao desenvolvimento do país”, criticou o ministro.
A professora Nieves Sanz, da Universidade de Salamanca, abordou os traços da política criminal na atual conjuntura e destacou que as boas práticas criminológicas vão muito além das leis. “A melhor política criminal está em uma boa política social. O Código Penal não impede os crimes. A solução está onde sempre esteve, na educação”, afirmou a palestrante, que também tratou do problema global – e estrutural – da violência de gênero.
Para Nieves, política criminal não é igual a direito penal. Política criminal, segundo ela, são medidas sociais, econômicas, ambientais, culturais e também de direito penal; porém, toda política que decida acabar com um problema criminal só por meio do direito penal tende a ir direto ao fracasso.
Prevenção
Ainda de acordo com a professora, a criminalidade é inerente à condição humana e nunca vai desaparecer, assim como a enfermidade ou a morte. Logo, o Estado precisa investir em políticas sociais e de prevenção. “Nossas aspirações devem ser muito mais humildes, para que possamos desfrutar de condições mínimas e viver mais tranquilos. Em um Estado que se presume democrático, os fins não podem justificar os meios. A política criminal nunca será legítima se violar os direitos humanos”, analisou.
Encerrando o primeiro painel, a promotora Danielle Martins Silva, titular da Primeira Promotoria de Justiça de Defesa da Mulher em Situação de Violência Doméstica, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), atualizou o público sobre novas abordagens humanistas na proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Danielle apresentou dados preocupantes do Atlas da Violência, o qual expôs que os números de feminicídio aumentam a cada ano.
“Não apenas o feminicídio aumentou, como também os demais crimes relacionados à violência doméstica. Sou promotora de Justiça de uma vara de violência doméstica há sete anos, em Sobradinho, e o que observo é um esforço hercúleo de ‘enxugar o gelo’ e uma sensação de extrema frustração. Cabe ao sistema de Justiça não apenas dar a resposta estatal a partir do ajuizamento de uma ação penal, mas também cumprir uma função executiva, que é estruturar a rede em torno dessa questão da violência”, ressaltou a promotora.
Garantia de direitos
Mediado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o segundo e último painel da mostra tratou da “Política criminal no contexto da Constituição Federal de 1988”. A subprocuradora-geral da República Deborah Duprat iniciou o debate mencionando teorias que tratam da ideia de a América ser um experimento da violência da Europa.
Segundo a subprocuradora-geral, a essência de um Estado é a homogeneidade, sendo a brasileira construída pela dominação e tendo o homem branco, europeu, como centro. A partir disso, explicou, o diferente foi para a periferia, como os negros, as mulheres, os indígenas e as pessoas com deficiência. “Para esses ‘não sujeitos’, o direito vai se encarregar de neutralizá-los, de controlar os seus espaços de circulação”, disse.
Para Duprat, a Constituição Federal, com um modelo de Estado de bem-estar social, representou uma vitória dessas periferias contra a dominação. O direito penal é previsto, afirmou, como garantia dos direitos fundamentais, repudiando o racismo, a tortura e o terrorismo, “as formas contemporâneas mais expressivas da violência”.
“O direito penal não é política de segurança pública, é uma garantia de direitos. Não pode ser uma chave para criminalizar manifestações, protestos, reuniões, porque os movimentos que se organizaram para fazer a Constituição sabem que esse é o momento inicial de uma sociedade mais justa, que as lutas por direitos continuam e que a rua é o espaço público por excelência”, declarou.
Seletividade
Na mesma linha, o defensor público do Estado do Rio de Janeiro Pedro Carriello observou que, na atualidade, a zona sul da cidade do Rio e o plano piloto de Brasília também fazem das periferias os seus laboratórios de experiência.
Para ele, nos 30 anos da Constituição, pouco se alcançou, uma vez que a população carcerária só aumenta, havendo uma seletividade que tem cor e que está se ampliando para os imigrantes e os índios, em função do desenvolvimento econômico. “A cada momento, a política criminal, a ideia de segurança pública, é no sentido do retrocesso e da seletividade”, afirmou.
O defensor ressaltou que a massa carcerária do Brasil é predominantemente fruto do tráfico de drogas. Ele destacou levantamento da DPRJ que analisou 2.591 sentenças, entre 2014 e 2016, e identificou o estereótipo desses presos: réu primário, sem antecedentes criminais, preso em flagrante, sozinho, desarmado, com pouca quantidade de drogas e na periferia.
“Esse é o destinatário dessa política da guerra às drogas que ninguém vence”, falou. Carriello observou que o discurso sobre a segurança pública, em especial na repressão ao tráfico de drogas, não constrói nada, sendo necessário criar critérios objetivos para determinar quem é ou não traficante.
Ao encerrar o evento, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca ponderou que é necessário apostar na efetividade dos direitos fundamentais, e não apenas em declarações sobre eles. Para o ministro, “é nessa massa carcerária que temos hoje que trabalhar com o conceito da Justiça restaurativa“.
Fonte: STJ
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