O tumor de próstata pode se desenvolver sem sintomas por anos e é a segunda maior causa de mortes por câncer entre homens no Brasil, somando cerca de 10% dos casos totais de neoplasia maligna.
Para conscientizar a comunidade jurídica e o restante da sociedade sobre essa e outras doenças masculinas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se engaja anualmente na campanha Novembro Azul. Inspirada no Outubro Rosa, voltada para o câncer de mama, a campanha foi criada em 2003 e marca o Dia Mundial de Combate ao Câncer de Próstata (17 de novembro).
O presidente da seccional do Distrito Federal da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-DF), Eduardo Saraiva Pimentel, explica que a próstata é uma glândula do tamanho de uma noz, localizada abaixo da bexiga e responsável por produzir a maior parte líquida do sêmen, enquanto os espermatozoides são produzidos nos testículos.
Realidade ofuscada
“Os principais exames para identificar a doença são o toque retal e a medida de Antígeno Prostático Específico (PSA). Os homens devem fazer esses exames periodicamente, a partir dos 50 anos, e, se houver histórico familiar da doença, começar aos 40”, alertou o médico.
Segundo ele, o apoio do STJ e de outras instituições públicas à campanha é muito importante. “É uma maneira de aumentar a capilaridade e fazer que as informações cheguem ao servidor público, aos advogados e ao cidadão”, destacou. Eduardo Saraiva afirmou que o Novembro Azul é especialmente importante neste ano, em que todas as atenções em saúde estão voltadas para a pandemia.
A previsão do Instituto Nacional do Câncer (Inca) era que, em 2020, seriam identificados quase 66 mil novos casos no país. “Isso não ocorreu. Notamos uma redução de 90% de biópsias de tumores em geral e de 70% em cirurgias oncológicas. As doenças não desapareceram, apenas não estão sendo tratadas durante a quarentena da Covid- 19”, observou.
Direitos do paciente
De acordo com Eduardo Pimentel, “quanto mais cedo o tumor de próstata for identificado e tratado, melhor. Nos estágios iniciais, há chance de até 90% de controle da doença”. Outro ponto levantado pelo médico é a importância de tribunais como o STJ protegerem os direitos dos pacientes.
A importância do tratamento precoce, o estresse e os potenciais danos à saúde surgiram na discussão do Agravo em Recurso Especial (AREsp) 1.649.686, relatado pelo ministro Raul Araújo, da Quarta Turma do STJ.
No caso, um paciente foi diagnosticado com adenocarcinoma – tumor típico de glândulas, de difícil remoção, que pode ter crescimento rápido – na próstata, e o seu médico recomendou o tratamento HIFU, baseado no uso de ondas sonoras de alta frequência. O plano de saúde se negou a cobrir o procedimento, alegando que não era listado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Dano moral
O tribunal de segunda instância entendeu que o rol da ANS seria exemplificativo, e não exaustivo, e aplicou à operadora do plano a multa de R$ 1 mil por dia de descumprimento do contrato (totalizando R$ 28 mil), além de determinar a indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil. A empresa recorreu ao STJ, alegando que o mero descumprimento contratual não acarreta dano moral e que o valor da condenação seria excessivo.
O ministro Raul Araújo afirmou que a jurisprudência do STJ considera que só há dano moral se a negativa da operadora acarretar agravamento da saúde física ou mental do paciente. O tribunal de origem entendeu que a vida do paciente ficou em risco, e rever essa conclusão exigiria o reexame de prova – vedado pela Súmula 7 do tribunal. O relator também considerou que o valor estabelecido não foi desproporcional ao dano causado à vítima.
Um caso semelhante se verificou no julgamento do AREsp 1.554.884, relatado pelo ministro Villas Bôas Cueva. A operadora se negou a cobrir um exame não previsto pela ANS para próstata, mas essencial para localizar metástases. O ministro considerou ter havido danos morais em razão da negativa de cobertura.
Novas técnicas
O médico Eduardo Pimentel destacou que tem havido uma grande evolução nas terapias para o câncer de próstata. “Hoje há técnicas de tratamento pouco agressivas que não tínhamos há 20 anos, que facilitam tratamentos com menos sequelas e com menor tempo de recuperação”, comentou. Para ele, os planos de saúde devem disponibilizar essas técnicas.
No Recurso Especial (REsp) 1.320.805, relatado pela ministra Isabel Gallotti, um paciente afirmou que a operadora do plano de saúde não autorizou a operação de prostatectomia radical laparoscópica com técnica robótica – procedimento cirúrgico mais moderno e menos invasivo. A empresa alegou que o procedimento seria experimental e, portanto, não obrigatório.
No seu voto, Isabel Gallotti considerou que o procedimento não podia ser considerado experimental, pois essa classificação diz respeito apenas aos que ainda não foram comprovados plenamente pela ciência. Segundo ela, os procedimentos que apenas usam equipamentos mais modernos não podem ser enquadrados no inciso I, artigo 10, da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998); portanto, é abusiva a conduta da operadora que se nega a cobrir o uso da técnica mais moderna disponível no hospital credenciado.
“Os planos de saúde não podem ter a liberdade de impor o tratamento de custo menor, apenas em razão de não haver prova de que a técnica mais moderna eleita pelo médico seja absolutamente indispensável”, acrescentou a ministra.
Medicamentos
O fornecimento de medicamentos de alto custo foi tratado no REsp 1.682.973, de relatoria o ministro Og Fernandes. No caso, um paciente recorreu contra a União e o Estado do Rio de Janeiro para conseguir o fornecimento do medicamento Zytiga (acetato de abiraterona), que retarda a progressão do câncer e pode ter um custo de até R$ 15 mil ao mês. Foi alegado que o remédio não estaria na lista padronizada do Inca, o que justificaria o não fornecimento.
O ministro Og Fernandes apontou que o médico da rede privada goza da mesma credibilidade que seu colega da rede pública para atestar a necessidade do tratamento. “Pela proximidade com o paciente, seu laudo pode sustentar o seu direito”, asseverou.
O magistrado também apontou que o tribunal utiliza três requisitos para o fornecimento de remédios: a comprovação por laudo médico da necessidade; a prova da incapacidade financeira do paciente; e o registro da droga na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não é necessária a cumulação dos três requisitos, mas, no caso julgado, todos estavam presentes, e o ministro determinou que o SUS fornecesse o remédio.
Tratamento em casa
O STJ também tem garantido, em certas situações, o tratamento para pacientes presos. No Habeas Corpus (HC) 202.200, o ministro Og Fernandes assegurou a um paciente preso preventivamente e em estado grave de saúde a possibilidade de ficar em prisão domiciliar.
O réu, acusado de integrar quadrilha de contrabando e exploração de caça-níqueis, passou por cirurgia de retirada de próstata e necessitava de tratamento radioterápico e de medicamento específico. O tribunal de origem havia autorizado a saída para o tratamento e o recebimento do remédio na prisão. No habeas corpus, a defesa alegou que os efeitos colaterais do tratamento tornariam impossível sua realização no cárcere.
Og Fernandes considerou a necessidade de cuidados especiais e o risco de comprometimento para a saúde do réu. Segundo o artigo 117, inciso II, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), é possível a prisão domiciliar em caso de doença grave – hipótese admitida também pelo Código Processo Penal (CPP).
Qualidade de vida
Os especialistas apontam que uma das grandes preocupações com tratamentos de câncer, em especial com as cirurgias, são as sequelas. Uma delas, no caso da próstata, é a incontinência urinária. Eduardo Pimentel, da SBU-DF, informou que essa intercorrência é rara atualmente – em torno de 4% dos pacientes, segundo dados do Inca. Uma das soluções para esse problema é a implantação de um esfíncter urinário artificial, prótese que devolve a capacidade de controlar a urina.
“Infelizmente, é um dispositivo de alto custo, mas seu implante propicia uma melhora significativa na qualidade de vida de homens incontinentes. Dessa forma, sou favorável e apoio os posicionamentos do STJ”, declarou.
O médico se refere a votos como o do ministro Menezes Direito (falecido) no REsp 519.940. Naquele caso, a operadora recorreu para não pagar a prótese, alegando haver o entendimento de outros tribunais de que os planos de saúde não seriam obrigados a cobrir procedimentos não previstos no contrato e que as próteses poderiam ser excluídas, se isso não colocasse em risco a sobrevivência do paciente.
O ministro Direito observou que a incontinência era resultado da prostatectomia (retirada cirúrgica da próstata). “Como se sabe, a prostatectomia radical em diagnóstico de câncer tem finalidade curativa, e o tratamento da incontinência urinária, que dela pode decorrer, inclui-se no tratamento coberto, porque ligado ao ato cirúrgico principal”, completou o ministro. Para ele, não seria razoável cobrir a cirurgia e não a prótese.
Infertilidade
Outra sequela comum é a infertilidade, que acompanha a retirada da próstata e a maioria dos tratamentos radioterápicos. “Há modos de contornar a situação, como o congelamento de espermatozoides antes do início do tratamento”, afirmou Eduardo Pimentel.
Entretanto, em casos de infertilidade, o STJ – com base na Resolução Normativa 192/2009 da ANS – já adotou o entendimento de que, se não houver previsão contratual, a inseminação artificial não é de cobertura obrigatória. A posição foi definida a partir do voto do ministro Marco Buzzi no REsp 1.823.077.
Outra preocupação comum são as disfunções sexuais ligadas ao tratamento de próstata. “Uma perda da função eretora não é incomum, mas hoje os tratamentos permitem que praticamente todos os homens sejam sexualmente reabilitados”, comentou o presidente da SBU-DF.
Lembrando a importância do diagnóstico precoce para o tratamento eficaz da doença, inclusive com redução dos riscos de sequelas, Eduardo Pimentel afirmou que a SBU e suas seccionais fazem um esforço permanente para conscientizar a sociedade. “O Novembro Azul é uma grande oportunidade para ampliar a preocupação com a saúde masculina”, concluiu.
- Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):AREsp 1649686AREsp 1554884REsp 1320805REsp 1682973HC 202200REsp 519940REsp 1823077
Fonte: STJ
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