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Após perícia do IML, juiz pode fixar indenização do DPVAT em valor superior ao pedido

Não configura julgamento além do pedido (ultra petita) a sentença que concede à vítima de acidente automobilístico a indenização do seguro DPVAT em valor acima do que foi requerido na ação, desde que seja condizente com o grau de invalidez apurado pelo Instituto Médico Legal (IML) em perícia posterior ao ajuizamento da demanda.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um segurado para reformar acórdão que limitou a indenização ao pedido feito na petição inicial, ajuizada antes da perícia do IML – cujo laudo constatou que o acidente sofrido por ele acarretou déficit funcional de 50% na sua perna direita.

O recurso teve origem em ação de cobrança de complementação de indenização do DPVAT, na qual o segurado argumentou que o valor de R$ 843,75, recebido administrativamente, não condizia com a gravidade da lesão sofrida.

Em primeiro grau, a seguradora foi condenada a pagar a complementação de R$ 506,25, além de juros e correção monetária, em razão de perícia feita pelo IML no decorrer da instrução processual.

Após recurso de ambas as partes, o Tribunal de Justiça do Paraná concluiu que deveriam ser pagos R$ 3.881,25 de indenização. No entanto, em novo recurso da seguradora, o tribunal reconheceu o julgamento ultra petita e reduziu a indenização para R$ 2.859,53 – valor pedido inicialmente.

Interpretação sistemática

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que as sentenças extra petita e ultra petita representam a atuação jurisdicional para mais do que fora delimitado pela parte com a propositura da ação – sendo que, na sentença extra petita, o juiz decide para fora do que estava em causa, e na ultra petita, decide além do pedido.

Segundo a ministra, o artigo 492 do Código de Processo Civil – que proíbe o julgamento extra e ultra petita – é objeto de expressa ressalva no próprio texto legal. O artigo 493 do CPC – esclareceu a magistrada – estabelece que é dever do julgador considerar, mesmo de ofício, fatos supervenientes que influam no julgamento, “constituindo, modificando ou extinguindo o direito material alegado, sob pena de a prestação jurisdicional se tornar desprovida de eficácia ou inapta à justa composição da lide”.

A jurisprudência do STJ – lembrou Nancy Andrighi – entende que cabe ao julgador a interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na petição inicial, a partir da análise dos fatos e da causa de pedir, considerados em todo o seu conteúdo.

“Essa posição consolidada do STJ atende à necessidade de conceder à parte o que foi efetivamente requerido por ela, interpretando o pedido a partir de um exame completo da petição inicial, e não apenas da parte da petição destinada aos requerimentos finais, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita”, declarou.

Perícia indispensável

De acordo com a relatora, é indispensável a realização de perícia para quantificar a indenização por invalidez permanente do seguro obrigatório DPVAT, pois o valor só pode ser aferido a partir da extensão das lesões sofridas pela vítima.

A ministra mencionou o caráter social do DPVAT, cuja indenização deve ser paga pelas seguradoras sem qualquer margem de discricionariedade e sempre que atendidos os requisitos da Lei 6.194/1974. Para ela, eventual realização de laudo pericial pelo IML no curso do processo deve ser considerada fato superveniente constitutivo do direito do autor, na forma do artigo 493 do CPC.

“O pedido de complementação da indenização paga a menor administrativamente deve ser interpretado sistematicamente, a fim de garantir à vítima o valor correspondente à lesão por ela efetivamente sofrida, segundo o grau de sua invalidez, ainda que o pedido específico, ao final da peça inicial, tenha sido formulado equivocadamente, com a fixação de valor definido, mas inadequado à previsão legal”, afirmou.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.793.637 – PR (2019/0019483-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DOUGLAS MARTINS SPINELLI
ADVOGADOS : HELEN PELISSON DA CRUZ – PR034852
GABRIELA DOS SANTOS – PR090748
AMANDA VANZELLA GONÇALVES – PR092562
RECORRIDO : SEGURADORA LIDER DO CONSORCIO DO SEGURO DPVAT SA
ADVOGADO : SERGIO BERMUDES E OUTRO(S) – RJ017587
ADVOGADOS : ANELISE ROBERTA BELO BUENO VALENTE – PR043058
MATHEUS PINTO DE ALMEIDA – RJ172498
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. SEGURO DPVAT. LEI
6.194/74. COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIOS DA ADSTRIÇÃO
E DA CONGRUÊNCIA. SENTENÇA ALÉM DO PEDIDO (ULTRA PETITA). GRAU
DE INVALIDEZ. PERÍCIA. IML. INDISPENSABILIDADE. PEDIDO.
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 322, § 2º, DO CPC/15. FATO
CONSTITUTIVO SUPERVENIENTE. CONSIDERAÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 493
DO CPC/15.
1. Cuida-se de ação de cobrança de complementação de indenização
securitária do DPVAT por invalidez permanente.
2. Recurso especial interposto em: 18/06/2018; conclusos ao gabinete em:
05/02/2019; aplicação do CPC/15.
3. O propósito recursal consiste em determinar se configura julgamento
para além do pedido (ultra petita) a sentença que concede à vítima de
acidente automobilístico o valor da indenização pelo DPVAT condizente com
o grau de sua invalidez, segundo apurado em perícia do IML superveniente
ao ajuizamento da ação e em valores diversos dos constantes no final da
petição inicial.
4. Agindo o juiz fora dos limites definidos pelas partes e sem estar amparado
em permissão legal que o autorize examinar questões de ofício, haverá
violação ao princípio da congruência, haja vista que o pedido delimita a
atividade do juiz, que não pode dar ao autor mais do que ele pediu,
julgando ultra petita (além do pedido).
5. O CPC/15 contém, contudo, expressa ressalva aos limites do pedido,
permitindo ao juiz considerar fatos supervenientes que constituam o direito
envolvido na lide, na forma do art. 493 do CPC/15.
6. Cabe ao julgador, ademais, a interpretação lógico-sistemática do pedido
formulado na petição inicial a partir da análise dos fatos e da causa de
pedir, o que atende à necessidade conceder à parte o que foi efetivamente
requerido por ela, interpretando o pedido a partir de um exame completo
da petição inicial, e não apenas da parte da petição destinada aos
requerimentos finais, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita. Precedentes.
7. É indispensável a realização de perícia para verificar o grau de invalidez
do segurado a fim de estabelecer o valor da indenização por invalidez
permanente do seguro obrigatório DPVAT, pois o valor da referida
indenização somente pode ser aferido de acordo com a quantificação da
extensão das lesões sofridas pela vítima. Precedentes.
8. O seguro obrigatório DPVAT é seguro de nítido caráter social cuja
indenização deve ser paga pelas seguradoras sem qualquer margem de
discricionariedade e sempre que atendidos os requisitos da Lei 6.194/74.
Precedente.
9. Assim, o pedido de complementação da indenização paga a menor deve
ser interpretado sistematicamente, a fim de garantir à vítima o valor
correspondente à lesão por ela sofrida, segundo o grau de sua invalidez,
ainda que o pedido específico, formulado ao final da peça inicial, tenha sido
formulado equivocadamente, com a fixação de valor definido; e, não o
suficiente, a eventual realização de laudo pericial pelo Instituto Médico
Legal (IML) no curso do processo deve ser considerado fato superveniente
constitutivo do direito do autor, na forma do art. 493 do CPC/15.
10. Na hipótese concreta, por aplicação da norma constante no art. 493 do
CPC/15, o acórdão que concede ao recorrente a indenização conforme a
posterior perícia médica do IML não pode ser considerada para além do
pedido (ultra petita), razão pela qual não havia motivos para a limitação da
complementação da indenização aos valores numéricos referidos à inicial.
11. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 17 de novembro de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

 

Fonte: STJ 

Escrito por Redação

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