O dia internacional das mulheres, comemorado anualmente em 08 de março, embora romantizado, é um marco da luta feminina pelo reconhecimento de seus direitos, a sua origem está ligada a diversas manifestações ocorridas em vários lugares do mundo, reivindicando principalmente melhores condições de trabalho.
O consenso geral é que o primeiro dia das mulheres tenha surgido no mundo com uma grande manifestação feminina em 26 de fevereiro de 1909, em Nova York, no qual cerca de 15 mil mulheres protestaram por direitos trabalhistas, uma vez que suas jornadas poderiam chegar em até 16 horas por dia, enquanto que na Europa, a alemã Clara Zetkin[1], propôs a criação de um movimento anual dedicado a chamar a atenção para as opressões femininas.
Por outro lado, no Brasil, muitos lembram de tal data, a partir do incêndio ocorrido no dia 25 de março de 1911, em Nova York, na Triangle Shirtwaist Company, onde 146 operárias morreram, demonstrando as péssimas condições de trabalho femininas nos primórdios da industrialização.
Por fim, a real oficialização quanto a comemoração do dia internacional das mulheres, somente ocorreu em 1975, pela Organização das Nações Unidas (ONU),[2] visando a reflexão mundial sobre as conquistas políticas e sociais femininas.
Da evolução social do trabalho feminino
Por muito tempo o trabalho esteve ligado à força, e por esta razão era essencialmente destinado aos homens, enquanto que as mulheres deveriam se ocupar de tarefas relacionadas a manutenção e proteção do lar, conforme assinala Roland Rasson (2013, p. 162): “Historicamente restou comprovado que o trabalho da mulher custou a ser reconhecido pela sociedade. As mulheres exerciam inicialmente tarefas que não lhes traziam qualquer benefício de ordem econômica, ou reconhecimento”.
Importante considerar que o capitalismo tem por característica a exploração de uma classe sobre a outra, e com a inserção da mulher no mercado de trabalho, tal exploração ficou ainda mais evidente, visto que a mão de obra feminina teria custo menor e deveria ser aplicada apenas de forma intermediária, sem a ocupação de cargos de maior relevância, pois dada as suas características de fragilidade natural, gestação e amamentação, a produtividade da mulher era considerada inferior, sendo a sua prioridade o marido e os filhos, enquanto que os homens tinham maiores condições de se dedicar exclusivamente ao trabalho.
Ademais, não sendo a mulher provedora essencial do lar, não se justificaria o pagamento de salários iguais ou superiores aos dos homens, já que ela trabalhava apenas para complementar a renda da família, conforme afirma a socióloga Heleiete Saffioti (1976, p. 31):
“Embora, inegavelmente, a pouco significativa sindicalização feminina encontre raízes na imaturidade, na inferioridade numérica e no isolamento das trabalhadoras, a explicação mais convincente deste fenômeno reside na dificuldade de integração dos papéis que a mulher desempenha nas sociedades capitalistas e na maneira como é encarado seu trabalho neste tipo de formação social. Se, normalmente, o trabalho feminino é considerado subsidiário na formação econômico-social capitalista, o salário da mulher é encarado como um mero suplemento para elevar os rendimentos da família”.
Todavia, se antes a força era elemento essencial na capacidade produtiva e legitimava a posição do homem, com a introdução de novas tecnologias, deveria se ter possibilitado maior espaço para as mulheres, porém, a ideologia consistente na teoria que o papel primordial feminino na sociedade está relacionado à proteção da família, não permitiu até hoje o amplo acesso desta ao mercado de trabalho com remuneração igual ao dos homens.
Assim, visando a diminuição de tais desigualdades, o Estado passou a regulamentar de forma específica o trabalho feminino, num primeiro momento para proteção das mulheres contra a exploração, e num segundo momento, para a garantia do seu direito ao mercado de trabalho digno e sem qualquer discriminação, conforme expõe Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 421):
“As primeiras leis trabalhistas voltaram-se para a proteção da mulher e do menor.
A política que preside a evolução do direito do trabalho da mulher vem passando por modificações, e a primeira fase do direito protetor caracterizado pelas proibições do seu trabalho em diversas atividades, cede lugar à promoção da igualdade entre a mulher e o homem no sentido de eliminar essas proibições”.
Por outro lado, no aspecto constitucional brasileiro, a Constituição de 1934, foi a primeira a apresentar direitos trabalhistas das mulheres em relação à não discriminação de sexo, etnia e cor, e com a promulgação da Constituição da República de 1988, ampliou-se as garantias de igualdade, sendo no que tange especificamente as mulheres introduzido o artigo 7º, inciso XX do qual prescreve “proteção a trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”.
Assim, Natalia Lemos Mourão (2017, p. 254), interpreta tal disposição no seguinte sentido: “O que se pode extrair desse comando constitucional é que o tratamento diferenciado ao mercado de trabalho da mulher será dado no sentido de ampliar ou de proteger, mas jamais para restringir o acesso da mulher ao mercado de trabalho”.
Em síntese, o comando constitucional autoriza a legislação ordinária a apresentar disposições especiais de proteção ao trabalho da mulher quanto as características naturais da gestação e demais aspectos fisiológicos, bem como, a criação de mecanismos de combate à discriminação e discrepância de salários.
Dos principais direitos trabalhistas especiais das mulheres
- a) Política antidiscriminatória (artigo 373-A da CLT)
O empregador não poderá realizar qualquer das condutas descritas abaixo, uma vez que são consideradas discriminatórias pela legislação vigente:
- Publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;
- Recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;
- Considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;
- Exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
- Impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;
- Proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas.
- b) Prevenção da fadiga (artigo 390 da CLT)
Não se pode exigir da mulher serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 quilos para o trabalho contínuo, e 25 quilos para o trabalho ocasional;
- c) Licença maternidade (artigo 392 da CLT)
Equivalente a 120 dias, sem prejuízo de emprego e salário, podendo ser solicitada diretamente ao empregador, a partir de 28 dias que antecede ao parto, mediante apresentação de atestado médico, certidão de nascimento ou natimorto.
- d) Aborto (artigo 395 da CLT)
Em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado médico oficial, a empregada terá um repouso remunerado de 2 semanas, ficando-lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento.
- e) Adoção ou guarda judicial (artigo 392-A da CLT)
Mediante apresentação de termo judicial de guarda, será assegurado a empregada que adotar ou obtiver guarda judicial de criança ou adolescente, a respectiva licença-maternidade.
- f) Estabilidade (artigo 10, II, b da ADCT)
Garantia de emprego desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto.
- g) Transferência de função (artigo 392, §4º da CLT)
É garantido durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos, transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, sendo assegurada a retomada da função anteriormente exercida.
- h) Descansos especiais para amamentação (artigo 396 da CLT):
Dois descansos especiais durante a jornada de trabalho, de meia hora cada um, até que a criança complete 6 meses de idade, dos quais poderão ser definidos através de acordo individual com a empregada.
Quanto ao mencionado acordo individual Rodolfo Carlos Weigand Neto e Gleice Domingues (2018, p. 110) destacam:
“Destaca-se, com a reforma, tais períodos podem ser flexibilizados por meio de acordo individual entre a mulher e o empregador, em que seja previsto o ajuste de que a empregada deixe o serviço uma hora mais cedo, o que, na prática, sempre foi muito comum (porém, informalmente ajustado), em razão da dificuldade de se deslocarem até onde estava o bebê para amamenta-lo, no curto período de meia hora”.
- i) Afastamento de atividade insalubre (artigo 394 A da CLT e ADIN 5938)
A empregada deverá ser afastada das atividades consideradas insalubres em qualquer grau, enquanto durar a gestação ou lactação, devendo o labor passar a ser desenvolvido em local que não ofereça riscos à saúde da mulher.
Todavia, caso não seja possível o labor da empregada em local salubre, ainda assim, Vólia Bomfim (2021, p. 142) afirma que a empregada deverá ser afastada e sua remuneração ficará a cargo da Previdência Social:
“Cumpre rememorar que a empresa efetua o pagamento do salário-maternidade e realiza a compensação quando do recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de pagamento. Assim, a responsabilidade pelo pagamento da remuneração será, ao fim e ao cabo, da Previdência Social”.
- j) Garantia de emprego em caso de afastamento motivado por violência doméstica (artigo 9º, § 2º, II da Lei nº 11.340/2006)
Garantia de manutenção do vínculo trabalhista, conforme decisão judicial, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até 6 meses.
- l) Impossibilidade de negociação coletiva (artigo 611-B, XV e XXX da CLT)
Os direitos de proteção ao trabalho da mulher não são passiveis de flexibilização mediante negociação coletiva.
Da atual desigualdade salarial e trabalho da mulher na pandemia
Entre os direitos de proteção ao trabalho da mulher, um que merece destaque é aquele que proíbe a discriminação no pagamento de salários, conforme dispõe os artigos 373 A e 461 da CLT.
Contudo, apesar da legislação buscar o fim de tal discriminação, a realidade no mercado brasileiro ainda se mostra muito longe do esperado.
Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou estudo de indicadores de estatísticas de gênero, no qual foi apurado que as mulheres recebem cerca de apenas 77,7% dos rendimentos dos homens, sendo tal desigualdade, maior entre os grupos ocupacionais que auferem maiores rendimentos, como Diretores e gerentes, profissionais das ciências e intelectuais, grupos nos quais as mulheres receberam, respectivamente, 61,9% e 63,6% do rendimento dos homens.[3]
Todavia, apesar dos rendimentos das mulheres serem inferiores, a pesquisa demonstrou que a justificativa não está no nível de escolaridade, na medida em que elas tendem a estudar mais que eles, já que na faixa-etária entre 25 e 34 anos, 25,1% das mulheres concluíram o ensino superior, contra 18,3% dos homens, uma diferença de 6,8 pontos percentuais.
Além disso, observou-se que em 2019, as mulheres se dedicaram aos cuidados de pessoas ou trabalhos domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas contra 11,0 horas), atuando este fator, segundo o IBGE, como limitador feminino, pois tende a reduzir a ocupação das mulheres ou a direcioná-las para serviços menos remunerados.
Lado outro, se até o ano de 2019, a mulher já enfrentava grandes desafios com relação à dupla jornada que lhe é culturalmente imposta, na pandemia do coronavírus, essa questão se agravou, pois, com a migração de muitas atividades para o home office, os afazeres domésticos e as responsabilidades corporativas passaram a ser exigidas de forma concomitante, aprofundando a desigualdade de gênero na divisão de tarefas domésticas e no tempo dedicado ao trabalho corporativo.
Prova disso, é que o Tribunal Superior do Trabalho (TST)[4], divulgou artigo com estudo realizado por Maria Bridi e Giovana Bezerra, da Rede de Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir), onde se constatou que homens e mulheres vivenciam o trabalho à distância de formas distintas.
Assim, um software de análise textual foi utilizado para verificar tais diferenças com base nos termos usados por homens e mulheres, no qual foi verificado que as expressões mais utilizadas pelas mulheres estavam relacionadas à dificuldade de concentração e às interrupções que sofriam durante o trabalho à distância, enquanto que para os homens, o termo “dificuldade” estava relacionado apenas à falta de contato presencial com outras pessoas.
Conclusão
Ante ao exposto, observa-se a partir das recentes estatísticas do IBGE e dos pontos destacados no presente estudo, que a desigualdade entre gêneros ainda é um desafio, sobretudo, a disparidade salarial, restando demonstrado que apesar da grande evolução em termos de direitos especiais das mulheres, a efetivação e garantia dos mesmos somente poderá ser plenamente alcançada a partir da transformação cultural quanto ao efetivo papel feminino na sociedade, sendo essencial que as reflexões do mês de março provocadas pelas comemorações e homenagens destinadas ao dia internacional das mulheres sejam mais profundas que apenas flores e chocolates.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASILE. César Reinaldo Offa. Direito do Trabalho. Sinopses Jurídicas. v. 28. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
BOMFIM, Volia. PINHEIRO, Iuri. SILVA, Fabricio Lima. Manual do Compliance Trabalhista: Teoria e Prática. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2021.
HASSON, Roland. HASSON, Rosine. CLT 70 anos de Consolidação: Uma Reflexão Social, Econômica e Jurídica. São Paulo: Atlas, 2013.
MOURÃO, Natalia Lemos. Desafios da Reforma Trabalhista: De acordo com a MP808/2017 e com a Lei 13.509/2017. São Paulo: RT, 2017.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Contemporâneo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011.
NETO, Rodolfo Carlos Weigand. SOUZA, Gleice Domingues de. Reforma Trabalhista: Impacto no cotidiano das Empresas. São Paulo: Trevisan, 2018.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A Mulher na Sociedade de Classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.
[1] < https://super.abril.com.br/blog/oraculo/quem-inventou-o-dia-internacional-da-mulher/> acesso em: 10.03.2021.
[2] < http://www.onumulheres.org.br/planeta5050-2030/conferencias/> acesso em: 10.03.2021.
[3] https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf acesso em: 10.03.2021
[4] < http://www.tst.jus.br/web/guest/-/pandemia-home-office-e-a-prote%C3%A7%C3%A3o-do-trabalho-da-mulher> acesso em: 10.03.2021
Gleice Domingues de Souza- Advogada e consultora jurídica em Direito Empresarial do Trabalho na Weigand e Silva Sociedade de Advogados. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), pós-graduanda em Advocacia Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MG). Curso Complementar em Didática do Ensino Superior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e em Gestão de Pessoas e Compliance Trabalhista pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professora convidada da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuarias e Financeiras (FIPECAFI). Coautora do Livro Reforma Trabalhista: Impacto no Cotidiano das Empresas pela Editora Trevisan.
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