Muito tem se falado sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, a chamada reforma administrativa enviada pelo poder executivo do governo federal ao Congresso Nacional. A medida, que atualmente está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, propõe mudanças significativas nos regimes de contratação, estabilidade e benefícios dos servidores públicos. As propostas têm sido questionadas em diversos âmbitos e, de acordo com a advogada e especialista em direito contemporâneo, Jocinéia Zanardini, podem contribuir significativamente para aumentar a corrupção. “A PEC propõe que os cargos em comissão sejam substituídos pelos chamados cargos de liderança e assessoramento. Esses cargos, segundo a proposta, poderão desempenhar atividades que, hoje, são desempenhadas exclusivamente por servidores efetivos e de carreira. Isso poderá ser facilmente utilizado como moeda de troca pelo governante de ocasião”, avalia. Segundo a especialista, essa situação é a famosa “troca de emprego pelo voto”, que pode criar um ambiente propício à corrupção e ao compadrio, gerando ineficiência e erros graves no serviço público. Esse ponto da PEC também fortalece o autoritarismo no serviço público. “Esses cargos não terão a liberdade e a independência necessárias para desempenhar o seu trabalho sem interferências. Essa alteração afetará profundamente a segurança nas atividades do serviço público, porque pessoas que não serão capacitadas poderão desempenhar atividades exclusivas de servidores de carreira. Isso é muito ruim para a sociedade como um todo. Afinal, a população perde a certeza de que aqueles funcionários desempenharam as suas funções sem interferências políticas”, explica. Outro ponto bastante sensível da chamada reforma administrativa e que também favorece a corrupção é a permissão de parcerias entre órgãos públicos e particulares para o desempenho de atividades da administração pública. “A PEC permite, inclusive, o compartilhamento de estrutura física, prédios e recursos humanos, criando, mais uma vez, um ambiente propício à corrupção e à troca de favores”, ressalta Zanardini. Com as mudanças propostas, se um servidor observar um erro técnico em uma determinação da chefia ou perceber que determinada situação não está de acordo com a lei e contestar, esse trabalhador poderá ser exonerado. Se ele fizer vista grossa, caso seja descoberto poderá ser responsabilizado pelo Ministério Público e também ser exonerado. “Esse é um exemplo bastante prático de como a estabilidade, apesar de muito criticada, é uma garantia para a sociedade, não para o servidor apenas”, destaca. Para Jocinéia Zanardini, embora o texto da PEC fale sobre inovação e boa governança, o que vai acontecer na prática é a desestruturação do serviço público. “Avanços e diminuição dos gastos devem, sim, acontecer. Mas o que se propõe é muito mais do que isso. É o fim da estrutura de serviço público, da segurança e da imparcialidade”, alerta. |
Concursos públicos A PEC também vai interferir no regime de contratação via concursos públicos. Situação que pode, novamente, beneficiar a corrupção. “A proposta prevê a possibilidade de realizar contratações para funções técnicas e estratégicas, que hoje são desempenhadas por profissionais de carreira, sem a necessidade de concurso. Isso possibilita a contratação de pessoas não qualificadas, pois o concurso é a forma de aferir o conhecimento. Sem ele, abre-se a possibilidade de que pessoas sejam contratadas não pela capacidade técnica, mas pelo vínculo pessoal com quem contrata. É grave, porque a pessoa pode não possuir o conhecimento necessário para a função”, salienta. Segundo a especialista, isso tudo também afeta a continuidade do serviço público. “Sem estabilidade e sem a obrigatoriedade de concurso, um funcionário pode estar trabalhando hoje e ser exonerado amanhã. Com isso, a máquina pública pode ficar ainda mais lenta. O funcionário novo terá que se inteirar de tudo antes de começar a trabalhar, podendo ser substituído na semana ou no mês seguinte. Como ficará, então, a continuidade do serviço?”, questiona.
Servidores atuais Zanardini alerta que as premissas de que a reforma administrativa não afetará os servidores atuais são, muitas vezes, falsas. “No caso das demissões, a PEC flexibiliza a demissão dos servidores atuais, pois determina que os mesmos poderão ser demitidos quando houver a decisão de um colegiado, não necessitando mais do trânsito em julgado para a demissão”, esclarece. Muitas dessas questões são defendidas com base na reclamação histórica de que não há punição para o mau servidor. Neste sentido, a advogada afirma que a PEC 32/2020 não é a solução. “Existem diversos mecanismos para punir os maus servidores. Se eles não são cumpridos, isso precisa ser analisado e resolvido. Mas a reforma não traz nenhuma solução neste sentido”, diz. “É importante destacar que foram feitos alguns avanços no texto e que podem ser aceitáveis, como fim da licença prêmio, por exemplo. Mas todo resto é muito negativo para a sociedade de forma geral”, conclui. Sobre a advogada e procuradora Jocinéia Zanardini Bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná e especialista em Direito Contemporâneo pela Universidade Cândido Mendes (RJ), há 10 anos é procuradora-municipal em Campo Largo (PR) e, desde 2008, está à frente do escritório de advocacia Zanardini Advogados. A profissional atua nas áreas de direito contratual, bancário, administrativo, arbitragem e mediação, além de possuir vasta experiência em licitações, concessões, parcerias público-privadas, improbidade administrativa e outras questões ligadas ao direito público. Recentemente, recebeu o título de presidente de honra da Câmara de Comércio Exterior Brasil Panamá (CCOMEXBP). |
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