O último grupo de expositores da audiência pública sobre letalidade policial realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira foi composto de representantes de instituições voltadas para estudos e ações nas áreas de segurança pública e Direitos Humanos. Em comum, as exposições apontaram a relação entre a violência das ações policiais e o racismo.
A audiência pública, convocada pelo ministro Edson Fachin, relator da Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF 635), prosseguirá na segunda-feira (19), a partir das 8h, com transmissão ao vivo pela TV Justiça, pela Rádio Justiça e pelo canal do STF no YouTube.
Universidade Zumbi dos Palmares
“Para construir o Brasil do futuro, precisamos nos apartar do Brasil do passado”, relatou o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente. Para ele, a superação desse paradigma se dá por meio de ações como a descriminalização das drogas, a reestruturação da polícia e políticas públicas que contemplem a necessidade das comunidades para romper o paradigma atual da segurança pública.
UFSC
Já Flávia Medeiros Santos, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), propôs como um caminho para o problema da segurança pública a instituição da autonomia e independência da perícia criminal. Dessa forma, ela enfatiza, a “cadeia de custódia não enfrentaria riscos pela ingerência direta daqueles que poderiam ser responsabilizados pela produção de mortes, pondo em risco provas fundamentais e impossibilitando a resolução de crimes”.
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
“A violência é um grande obstáculo que se coloca entre a sociedade que gostaríamos de ser e a nossa dura e cruel realidade”, afirmou o procurador Carlos Alberto Vilhena. Segundo ele, o número de vítimas é formado, principalmente, por pessoas que já se encontram em situação de extrema vulnerabilidade, geralmente jovens negros moradores de favelas e desempregados, o que revela a triste realidade do racismo estrutural. Vilhena defendeu uma atuação homogênea da polícia, tanto em bairros de classe alta como em bairros da periferia.
Marco Antonio Delfino de Almeida, do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial vinculado à Procuradoria, revelou que, de cada cinco vítimas da letalidade policial, quatro são negras: “a rotina de violência é o aspecto mais cruel dessa realidade, que afeta de forma desproporcional comunidades negras e periféricas”, afirmou. Para ele, as políticas públicas de segurança pública devem ser baseadas nos princípios da eficiência, da transparência e da ampla participação social.
Instituto de Defesa da População Negra
O expositor do instituto, Joel Luiz Costa, traçou contexto histórico da escravidão e lembrou que a região que hoje abrange as cidades do Rio de Janeiro e de Niterói já contou com “a maior concentração urbana de pessoas escravizadas no mundo”. Para ele, o debate a respeito da letalidade policial passa, necessariamente, pelo reconhecimento do racismo estrutural. “Com racismo não há democracia”, enfatizou.
Joel Luiz, que é advogado e pesquisador no campo da segurança pública, destacou que não só a polícia deve ser responsabilizada pelos graves números de letalidade de jovens negros, pois o dever de resguardar a população recai sobre todos os agentes do sistema de justiça. Ele citou como exemplo mandados de busca e apreensão coletivos expedidos pelo Tribunal de Justiça fluminense em 2017 que autorizaram operações em diversas favelas, com justificativa na “forma desorganizada como as comunidades pobres ganham novas casas constantemente sem registro que as identifique”.
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
O representante do órgão, Daniel Lozoya, afirmou que, nos primeiros meses de vigência da cautelar deferida pelo ministro Fachin na ADPF 635, houve redução de 70% do número de mortes nas operações em comunidades. No entanto, a partir de outubro, os números voltaram aos patamares anteriores.
Para Lozoya, a liminar está sendo descumprida, e o STF precisa definir a expressão “caráter excepcional” em relação aos critérios para a execução de operações policiais no estado. Ele salientou que, se as operações são excepcionais, não deveriam ser frequentes.
O defensor público argumentou que as essas ações policiais, além de ineficazes para o controle do crime, são indutoras do aumento da letalidade. Para demonstrar a gravidade do problema, relatou que, de 2013 a 2019, o número de mortes pela polícia quadruplicou, passando de 9% para 35% do total de homicídios O fenômeno, segundo ele, é identificado por pesquisadores como “estatização dos homicídios”.
Educafro
Para o professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas Wallace Corbo, que representou o Educafro, ao analisar a ADPF 635, o STF terá a oportunidade de reconhecer a existência de um apartheid racial no Brasil e de um apartaheid racial e social no Rio de Janeiro. De acordo com ele, esse estado de coisas no estado é caracterizado por uma discriminação indireta, geográfica, racial e, embora não faltem normas para combater o racismo ou a violência, essas normas são utilizadas pelas instituições de forma a perpetuar a desigualdade e a discriminação.
Na sua avaliação, a política de segurança pública do Rio de Janeiro é causa e consequência do racismo sistêmico. “Ela é causa porque gera uma série de violações e discriminações, e é consequência porque opera a partir dessa racionalidade que normaliza a morte de pessoas pretas, a negação de direitos de moradores de favelas e a tragédia da população pobre”, disse.
OAB
Em nome da OAB, Silvia Cerqueira, que integra a Comissão Nacional de Promoção da Igualdade (CNPI), afirmou que é fundamental investir no desenvolvimento de métodos para o enfrentamento das distorções sociais, a fim de combater o racismo. Segundo ela, também é necessário que a União invista em educação para a diversidade nas corporações policiais como forma de reduzir a violência e a letalidade em suas ações.
Também representando a OAB, Humberto Adami afirmou que o Tribunal de Contas da União (TCU) e os dos estados deveriam investigar os custos da chamada “guerra às drogas”, que utiliza recursos públicos que, em seu entendimento, não têm controle. Ele destacou que a violência e a discriminação têm também um cunho religioso, pois, em muitos momentos, atinge os terreiros em comunidades nas periferias.
Processo relacionado: ADPF 635
Fonte: STF
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