A ação da Polícia Militar de Minas Gerais que, na tarde de sábado, prendeu o analista de sistemas Felipe Cesário sob a acusação de ter jogado ovos em bolsonaristas durante uma manifestação no Centro de Belo Horizonte foi marcada pela ilegalidade e abuso de poder. A avaliação é da jurista especializada em Direito Penal, Jacqueline Valles.
A PM entrou na casa do analista sem um mandado judicial para prendê-lo e o algemou, enquanto um deputado e testemunhas ficaram na porta fazendo perguntas a Cesário. “Havia uma acusação sem provas de que o rapaz teria atirado o ovo. Se isso tivesse realmente ocorrido, ele deveria ser repreendido e chamado a comparecer na delegacia. Não pode haver invasão de domicílio para tentar verificar o ato agressivo já que não havia possibilidade de flagrante nem comprovação de que ele teria arremessado o objeto. Foi um abuso de autoridade, uma ilegalidade por parte da polícia”, afirma.
A simples suspeita de que o analista tivesse arremessado o ovo, diz a especialista, poderia, no entanto, fazer com que os policiais o conduzissem à delegacia para prestar esclarecimentos. “Não é porque a PM acredita que ele tenha repudiado a passeata com agressões quando não havia provas disso, que ela pode ingressar na casa dele, questioná-lo de forma violenta e algemá-lo”, explica a advogada.
Jacqueline, que atua há 27 anos como criminalista, diz que, no caso em questão, a violação do domicílio só seria justificada se houvesse um vídeo mostrando Cesário arremessando o objeto. “A violação ao domicílio tem que ser feita de uma forma muito clara, os objetivos e provas têm que ser contundentes de que lá dentro está ocorrendo um crime e que a polícia tem que entrar para cessá-lo. Não foi o que aconteceu naquele momento. Além disso, só se entra em uma residência com mandado judicial ou quando a pessoa está cometendo um crime e a polícia tem que pará-la. E não foi isso o que aconteceu em Belo Horizonte”, completa.
Jacqueline explica que a polícia tem o poder de ir até a casa das pessoas e questioná-las sobre algum tipo de delito que supostamente estejam cometendo. “No caso de BH, a polícia pode se deslocar até o local, mas não pode permitir a entrada de outras pessoas na casa do averiguado. A partir do momento que o policial leva essas pessoas para averiguar um suposto crime, a situação foge da legalidade e é caracterizada como constrangimento e abuso de autoridade. As testemunhas têm que ser ouvidas, mas na delegacia”, completa a jurista.
Como o analista não reagiu à prisão e não representava risco, não há na lei respaldo para a utilização de algemas. “A Súmula Vinculante número 11 do Supremo Tribunal Federal (STF) normatiza o uso de algemas e diz que o agente de segurança só pode usá-la quando há uma resistência à prisão. Nesse caso o morador estava resistindo à acusação, não à prisão, não havia motivos para conter essa pessoa”, explica.
Quem, como o analista, for vítima de situação semelhante tem o direito de registrar a abordagem e a prisão em vídeo. “A pessoa tem o direito de filmar para se salvaguardar. Toda vez que um policial entra na casa de alguém para fazer busca e apreensão, há uma deliberação da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por exemplo, para que a ação seja filmada”, diz.
Jacqueline Valles, jurista especializada em Direito Penal
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