No último mês de março, conforme noticiado por diversos veículos de imprensa, uma unidade de armazenagem da Amazon nos Estados Unidos foi processada por, supostamente, dificultar ou mesmo não permitir que seus empregados fizessem os intervalos para descanso ou refeições durante suas jornadas de trabalho.
Dentre os pontos alegados no processo, são indicados a falta de uma política formal para os períodos de descanso e a dedução do tempo de intervalo – mesmo que os colaboradores não os tivessem feito por completo.
A pauta chamou a atenção de especialistas do meio trabalhista e de empresas com eventuais dúvidas sobre os critérios para a definição dos intervalos de repouso e alimentação. Como este caso poderia ser julgado no Brasil? Quais são as possíveis punições para as companhias que ferem este direito dos colaboradores? Para analisar o tema, separei algumas questões importantes, com base nas normas trabalhistas do país.
A obrigatoriedade dos intervalos segundo a CLT
De início, já vale informar que a obrigatoriedade dos intervalos para descanso ou refeições são suficientemente bem amparadas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme seu Artigo 71:
“Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.
- 1º – Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, entretanto, obrigatório um intervalo de 15 (quinze) minutos quando a duração ultrapassar 4 (quatro) horas.
- 2º – Os intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho.”
Em outras palavras, se um colaborador tem de cumprir, uma jornada de 8 horas, terá direito, no mínimo, a uma hora de almoço para além de seu período de trabalho – por isso que, por exemplo, trabalhadores do horário comercial costumam entrar às 08h00 e sair às 17h00 (8 horas de trabalho + 1 hora de almoço).
Vale informar que, com a Lei 13.467 de 2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista, caso a empresa, por algum motivo, não ofereça o período de descanso (de 15min para jornadas de 4 a 6 horas ou 1h para jornadas de 8 horas) ou o oferece apenas parcialmente, será obrigada a pagar, com adicional de 50%, todo o intervalo que foi retirado do colaborador.
Casos específicos
Alguns setores possuem ainda normas específicas que visam dar atenção as necessidades de determinadas especializações de trabalho. No Artigo 72 da CLT, é citado o exemplo dos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), para os quais, as empresas devem oferecer, “a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho”.
Já a Lei Nº 6.615/78, que legisla sobre a profissão de radialista, explica, por exemplo, que as jornadas de locução não devem ultrapassar 5 horas e para os setores de cenografia e caracterização, com jornadas de 7 horas, serão deduzidos 20 minutos para descanso “sempre que se verificar um esforço contínuo de mais de 3 (três) horas”.
Há ainda a questão dos acordos sindicais e normas regulamentadoras, que visam oferecer benefícios suplementares ao já legislados pela CLT ou por leis específicas de uma determinada profissão. Para citar um exemplo, os trabalhadores do telemarketing que cumprem jornadas de 6 horas de trabalho, tem direito a dois intervalos de 10 minutos + uma pausa para refeição de 20 minutos, conforme explícito na Norma Regulamentadora 17, aprovada pela Portaria SIT n.º 09/2007.
Quais as punições em caso descumprimento?
Conforme citado acima, para casos excepcionais em que a empresa não ofereceu – ou ofereceu parcialmente o período de descanso/almoço – tal período suprimido terá de ser indenizado, com adicional de 50%. Todavia, é importante que as empresas evitem tal prática, uma vez que uma constância na supressão do direito de descanso pode ensejar processos e indenizações.
É essencial também se atentar para o horário em que o período de descanso é oferecido e para oferta de condições mínimas para que os trabalhadores façam suas refeições e descansem. Em caso de 2007, por exemplo, uma empresa foi condenada pela 15ª Vara do Trabalho de São Paulo, por obrigar que um trabalhador que atuava com a limpeza externa de córregos fizesse suas refeições na rua, sem condições apropriadas de higiene ou mesmo acesso a água potável.
Já em caso de 2012, uma funcionária ganhou direito a indenização pois era obrigada a fazer seu intervalo de descanso, todos os dias, 1 hora após chegar na empresa. Na decisão, a ministra relatora do caso, Kátia Magalhães Arruda, ressaltou que, embora a CLT não fixe em que momento a pausa intrajornada deve ocorrer, “se o intervalo é concedido com vista à recuperação física e mental do trabalhador, sua concessão após uma hora do início da jornada, com posterior trabalho contínuo por seis horas, não cumpre sua finalidade.”
Por fim, caso seja constatada que a supressão do horário para intervalo e refeição é uma prática habitual realizada pela Empresa com seus colaboradores, poderá ser autuada administrativamente, ou ainda, possivelmente ser compelida a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho, a qual a obrigará a cumprir os termos do acordo, sob pena de punição.
Conclusão
Diante de tamanho arcabouço jurídico sobre o tema, é mandatório que as empresas não incorram em falhas na administração dos períodos de descanso de seus colaboradores, os quais são essenciais para a qualidade e produtividade alcançada em uma companhia.
Em caso de dúvidas sobre as especificidades de seu setor ou sobre a melhor organização dos descansos intrajornadas, vale a pena buscar o apoio de especialistas, evitando assim qualquer transtorno com a justiça trabalhista e extraindo o melhor de seus colaboradores de modo saudável e transparente.
Dhyego Pontes, Consultor Trabalhista e Previdenciário
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