Eles mandam flores, são carinhosos, promovem jantares e viagens e representam a personificação do ideal romântico de muitas mulheres. Os chamados estelionatários emocionais têm a paciência suficiente para fazer o conto de fadas que criam durar vários meses até conquistar a confiança das vítimas para, então, dar o golpe. “Esses criminosos investem alto para projetar uma imagem de sucesso profissional e financeiro antes de darem a cartada final e, em muitos casos, levar joias, carros, aplicações e até imóveis das mulheres”, afirma a advogada criminalista Jacqueline Valles.
A advogada conta que, desde o início da pandemia, tem atendido cada vez mais vítimas. Inspirados numa prática chamada catfish, que consiste em criar perfis com fotos e informações falsas nas redes sociais para enganar mulheres, aproveitam o isolamento social imposto pela pandemia para explorar a carência das vítimas. “Eles vão conhecendo as mulheres e agem de acordo com o imaginário que elas têm de um relacionamento perfeito. Se percebem que são ligadas à família, mostram fotos dos filhos, falam das mães e concretizam o golpe, muitas vezes, afirmando necessitar de dinheiro para pagar caros tratamentos de saúde”.
A advogada diz que todas as vítimas que a procuraram revelaram um modo de ação semelhante em todos os casos. “Eles fazem as vítimas se sentirem amadas e quando ganham a confiança delas, aplicam o golpe”, explica.
Modus operandi
As vítimas são escolhidas por meio de aplicativos de relacionamento. A maior parte delas tem mais de 40 anos. A grande arma do chamado catfish é a lábia. “E quando eles encontram mulheres carentes, exploram esse lado. Por mais inteligente que uma mulher seja, por melhor que seja a sua formação acadêmica e a sua autoestima, a carência é democrática, pode acontecer com todas”, afirma a advogada.
Quando a vítima percebe que caiu em um golpe e decide procurar a polícia, as dificuldades aparecem. “O crime de estelionato requer a representação da vítima para o cidadão ser processado em um prazo de até seis meses. O golpe é orquestrado de uma forma que, quando o estelionatário some, já expirou o prazo para representação”.
A criminalista alerta que a vítima deve procurar a polícia o quanto antes. “Além do crime de estelionato, esses falsários podem ser enquadrados por apropriação indébita e furto. Em um dos casos, a vítima passou um imóvel para o golpista porque ele dizia que precisava ter bens no seu nome para poder fazer um grande investimento no Exterior”, explica.
Jacqueline orienta as mulheres a não passarem dados pessoais, cartões bancários, bens e joias. “É muito complicado perceber o golpe quando se está envolvido emocionalmente com alguém, mas elas precisam estar atentas a sinais de que o sujeito não esteja falando a verdade. Se ele não a apresenta a amigos e parentes, por exemplo, desconfie e jamais entregue seus bens”, finaliza.
Projeto de lei
Tramita no Congresso o PL 6444/2019 que tipifica o estelionato sentimental. Pelo PL, o crime fica configurado quando o autor induz a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar bens ou valores.
Jacqueline Valles é jurista e mestre em
Direito Penal pela PUC-SP
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