No lançamento virtual do seu livro Os paradoxos da justiça: Judiciário e política no Brasil, o desembargador Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), fez duras críticas ao Poder Judiciário nesta segunda-feira (6/9), no canal TVIAB no YouTube. “O Judiciário contribuiu para a construção da situação política atual, pois em vários julgamentos do STF o Direito passou longe”, afirmou o magistrado, que presidiu a Associação Juízes para a Democracia (AJD). De acordo com ele, “o protagonismo submisso do Judiciário à opinião pública foi intensificado com a Lava Jato, onde as decisões judiciais foram tomadas, e abonadas em várias instâncias, numa busca frenética de apoio popular, em oposição ao papel institucional do juiz, que é o de garantidor dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade popular, pois a Constituição Federal existe para proteger a sociedade dela mesma”.
O webinar Saindo do Prelo foi aberto pela presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Rita Cortez. Fizeram comentários sobre a obra a desembargadora aposentada do TJSP Kenarik Boujikian, cofundadora da AJD, e o juiz Rubens Casara, do TJRJ, que assinou o prefácio do livro. “Marcelo Semer, Kenarik Boujikian e Rubens Casara são magistrados que foram perseguidos pelos seus tribunais, mas continuaram, com coragem e independência, lutando por um Judiciário melhor, mais democrático e que respeite as nossas diferenças sociais”, afirmou a diretora de Biblioteca do IAB, Marcia Dinis, que mediou os debates. O webinar também contou com a presença do desembargador Siro Darlan, do TJRJ.
“Temos uma legislação de Direitos Humanos muito boa, mas os juízes que resolvem pôr isso em prática são afastados e perseguidos pelos seus tribunais”, criticou Marcelo Semer. O magistrado e escritor disse que “a instabilidade política” teve início com o afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República. “O País continua vivendo as cicatrizes do processo de impeachment de 2016, que ocorreu não apenas com a omissão do Judiciário, mas com a sua ação, pois o Supremo somente afastou o Eduardo Cunha da presidência da Câmara e suspendeu o seu mandato de deputado federal cinco meses após o pedido feito nesse sentido pela PGR e logo depois do afastamento da presidente”, ressaltou.
Truculento – Ele também não poupou críticas ao atual governo: “Trata-se realmente de um governo truculento e antípoda da democracia, que ataca o Judiciário, sobretudo o STF, com críticas abjetas”. Marcelo Semer enfatizou que é preciso democratizar o Judiciário: “O Judiciário sempre foi o poder menos suscetível à democratização trazida pela Constituição Federal de 1988, e, com isso, contribuiu para a construção de uma sociedade elitista e autoritária, que tem manifestado, em grande parte, pouco apreço pela cultura democrática”.
O desembargador disse não acreditar na mudança do quadro político por meio de ações advindas do Judiciário: “Decisões judiciais são importantes, como a do Supremo que suspendeu o decreto que permitia a ampliação do uso de armas, mas esperar que o Judiciário irá resolver todos os problemas é uma ingenuidade, pois os juízes não tem capacidade de resolver crise políticas”.
Após a palestra do autor, Rubens Casara afirmou: “Ele está certíssimo quando afirma que o Judiciário, por ter cedido às tentações populistas, é um dos responsáveis por esse lamentável estado de coisas hoje enfrentadas pelo País”. A respeito do autor e da obra, o juiz disse: “Grande escritor e um intelectual orgânico, Marcelo Semer é magistrado há mais de 30 anos e está entre os que melhor conhecem o Judiciário brasileiro, o que lhe permite apontar caminhos para democratizá-lo, inclusive em relação ao fim da perseguição a juízes, como ele e Kenarik, que atuam para garantir a aplicação dos direitos humanos pelos tribunais”.
De acordo com Kenarik Boujikian, “para entender o que acontece com o Brasil neste momento é preciso compreender o que é o Judiciário, sendo ótimo para isso a leitura do livro de Marcelo Semer”. Ela também comentou a necessidade de democratizar o poder: “Eu tinha a perspectiva de um Judiciário democrático e capaz de dar as respostas necessárias à democracia, mas ainda estamos muito longe disso, pois mesmo com a atuação da AJD, por exemplo, contra o machismo no Judiciário, embora tenha havido aumento da presença das mulheres nos tribunais, ainda não acabou a misoginia, aliás, nem o racismo”.
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