Em 2021, entrou em vigor a Lei nº 14.112/2020, que passou a ser chamada de “Nova Lei de Falências” e altera a já conhecida lei da recuperação judicial, extrajudicial e falência (Lei nº 11.101, de 2005). De modo geral, as mudanças darão mais fôlego para a recuperação de empresas em dificuldades financeiras, permitindo a sua manutenção no cenário econômico, além de aumentar a eficácia e a celeridade do procedimento de recuperação.
Essas alterações são bem-vindas no contexto em que chegam, considerando que, de acordo com dados divulgados pelo Serasa Experian, o número de pedidos de recuperação judicial cresceu consideravelmente durante a pandemia. De janeiro a fevereiro de 2021, registrou-se um aumento de 83,7% nos pedidos de recuperação. Entre abril e maio do mesmo ano, houve um crescimento de 48,4%, sendo que a maior parte dos registros vem de micro e pequenas empresas.
Sabe-se que tanto a recuperação judicial como a extrajudicial visam promover a preservação da empresa e a reestruturação de suas atividades econômicas. Para tanto, é apresentado um plano com objetivo de reunir recursos e saldar os débitos. No procedimento judicial, a empresa negocia o passivo com os credores por meio do Judiciário, com nomeação de um administrador judicial. Já pelo caminho extrajudicial, a recuperação é estabelecida diretamente entre a devedora e os credores, formalizando-se por meio de acordo entre as partes e podendo ou não ser homologado judicialmente, a depender da adesão à proposta.
Uma das alterações mais pertinentes trazidas pela nova lei foi a previsão de um novo procedimento de negociação, com caráter preventivo à insolvência da empresa e ao próprio processo de recuperação judicial, que se deu com a introdução dos artigos 20-A, 20-B, 20-C e 20-D à lei original. Com isso, foi criado um novo regime preliminar de tentativa de reestruturação da empresa, permitindo enfrentar as dificuldades financeiras em uma fase precoce e garantindo um ambiente de negociação com os credores antes de eventual ajuizamento de recuperação judicial.
Especificamente em seu artigo 20-B, §1º, a lei concede à empresa devedora um stay period, típico do processo de recuperação judicial, mas que apresenta aqui um caráter de tutela de urgência cautelar, para ver suspensas as execuções individuais propostas contra ela pelo prazo de 60 dias, durante o qual haverá uma tentativa de composição com seus credores. Trata-se de um instrumento crucial para o êxito das mediações e conciliações que antecederão o processo de recuperação judicial.
A lei também traz mais garantias ao credor, de forma a garantir a efetividade das negociações e evitar a falta de adesão de forma injustificada. É por isso que seu artigo 20-C, parágrafo único, prevê que, requerida a recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 dias contados do acordo firmado, o credor terá seus direitos e garantias reconstituídos nas mesmas condições firmadas originalmente com a empresa, abatendo-se os valores já eventualmente pagos. Essa garantia ao credor vem para estimular o ambiente de negociação, enquanto assegura o retorno das obrigações da devedora ao estado em que se encontravam antes.
É evidente, ainda, que as alterações trazem uma resposta direta ao número de quebras de empresas durante o período da pandemia. Para tanto, prevê a instauração de um ambiente de conciliação e mediação na hipótese de haver créditos extraconcursais – ou seja, contraídos após a decretação da recuperação judicial – contra empresas recuperandas durante período de estado de calamidade pública. Essa medida visa permitir a preservação e continuidade da prestação de serviços considerados essenciais.
Na prática, poderá requerer o benefício da negociação preventiva a empresa que, embora em dificuldade, tenha viabilidade econômica e preencha os requisitos já previstos pela Lei nº 11.101/2005 para requerimento da recuperação judicial. Isso é, não ser falida ou, se já o tiver sido, que estejam judicialmente declaradas extintas as responsabilidades daí decorrentes; não ter obtido a concessão de recuperação judicial há menos de cinco anos, aplicando-se o mesmo período para as micro e pequenas empresas; e não ter sido condenada, tanto como pessoa jurídica quanto seu administrador ou sócio controlador, pelos crimes previstos na referida lei.
A nova lei procura não apenas prever formalmente a instauração da conciliação e negociação entre devedores e credores, mas se preocupa também em fornecer os instrumentos necessários para viabilizar essa articulação. A ideia é que esses acordos preventivos sejam vistos como uma possibilidade e, especialmente, como a melhor alternativa para todas as partes envolvidas. Afinal, o objetivo desse incentivo é justamente aquele já previsto pela lei para a recuperação judicial: o de viabilizar a superação da crise econômica da empresa, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.
Paulo Barretto é advogado especialista em Direito Processual Civil Empresarial e atua no escritório Dosso Toledo Advogados.
Comentarios
0 comentarios