Todo concurseiro já ouviu que o edital é a “lei do concurso”, e todo advogado que atua nessa área sabe das dificuldades de comprovar violações constitucionais e infraconstitucionais quando o assunto é a defesa de clientes que se sentiram injustiçados nesse tipo de concorrência.
É possível somar ao sentimento de injustiça todo o tempo dedicado aos estudos, que muitas vezes representam anos da vida de quem busca a estabilidade da carreira pública.
Em regra geral, o que se observa é que o Poder Judiciário evita entrar na esfera de competência da Administração Pública, incluindo de ser fiscal dos atos da empresa contratada para realização do concurso.
Nesse sentido, inclusive, já foi fixada tese pelo STF quando do julgamento do RE 632.853, no seguinte sentido: “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.” Tema 485 da Repercussão Geral).
Seguindo essa linha de entendimento, quando do julgamento do RE 630.733 RG, Tema 335 da Repercussão Geral, foi analisada a possibilidade de “remarcação do teste de aptidão física”, concluindo-se pela inexistência de direito à remarcação (ou a segunda chamada), exceto se houver previsão específica nesse sentido no edital.
Nesse julgamento foi fixada a seguinte Tese:
“Inexiste direito dos candidatos em concurso público à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, salvo contrária disposição editalícia, em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, mantida a validade das provas de segunda chamada realizadas até 15/5/2013, em nome da segurança jurídica.” (RE 630.733 RG, Relator(a): Gilmar Mendes)
Oportuno ressalvar, que mesmo havendo decisão com Repercussão Geral contrária a remarcação de testes de aptidão física, o precedente foi afastado quando do julgamento do RE 1.058.333, Tema 973 da Repercussão Geral, no qual foi analisado o pedido de uma candidata que estava grávida na época da realização do teste de aptidão física e que, por esse motivo, teve reconhecido o direito à remarcação. Neste julgamento foi fixada a seguinte tese:
“É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público”. (RE 1058333, Relator(a): Luiz Fux)
Recentemente o STF realizou 02 (dois) importantes julgamentos que também tiveram como enfoque os concursos públicos, mas dessa vez sob o viés da liberdade de religião e das garantias a ela atreladas.
No ARE 1.099.099 RG, tema 1.021 da Repercussão Geral, foi analisada a situação de uma professora exonerada por ter cometido 90 (noventa) faltas injustificadas durante o período de estágio probatório, em razão de suas convicções religiosas.
Já no RE 611.874-DF, tema 386 da Repercussão Geral, o objeto de análise foi a possibilidade de realização de etapa de concurso público em horário e local diferente daqueles determinados pela comissão organizadora, em razão de crença religiosa.
Referidos julgamentos analisaram profundamente as disposições do artigo 5º, VI, VII e VIII da Constituição Federal e que tratam da laicidade do Estado, ou Estado Laico e da Liberdade Religiosa.
Ao final dos julgamentos, foram aprovadas as seguintes teses:
“Nos termos do art. 5º, VIII, da CRFB, é possível a Administração Pública, inclusive em estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento no exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada”. (ARE 1099099, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-068 DIVULG 09-04-2021 PUBLIC 12-04-2021)
E, ainda:
“Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital por candidato que invoca a escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração pública, que deverá decidir de maneira fundamentada.” (RE 611874, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-068 DIVULG 09-04-2021 PUBLIC 12-04-2021)
Com isso, e desde que observados os requisitos fixados nas Teses de Repercussão Geral, os candidatos e recém-empossados em concursos públicos podem ficar mais tranquilos tanto ao se inscrevem para realizá-los, quanto no exercício de suas atividades profissionais, pois desde que exista razoabilidade na pretensão e o pedido não implique em ônus desproporcional, a necessidade de alteração de datas e critérios alternativos em razão de gravidez ou por motivos religiosos poderá ser negociada com mais tranquilidade diretamente com a Administração Pública e/ou levada ao Poder Judiciário em caso de negativas sem lógica.
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