O novo Código de Processo Civil (CPC) aprovado em 2015 determina em seu artigo 833 e incisos, que salários são impenhoráveis para pagamento de dívidas. A não ser que a penhora, em no máximo 30% da renda, tiver natureza alimentícia. A questão é que essa lei trouxe insegurança jurídica às empresas, pois se um consumidor fizer compras com valores muito acima de sua capacidade de pagamento, poderá se safar das cobranças, mesmo as feitas judicialmente, usando a própria legislação como argumento.
Os legisladores estavam bem-intencionados quando aprovaram o artigo 833. Com base no princípio da dignidade da pessoa humana, a ideia era proteger o patrimônio mínimo do executado para que ele pudesse manter sua própria subsistência. Mas de uns tempos para cá os tribunais passaram a tratar essa lei de forma mais flexível. Como consequência, salários começaram sim, a ser penhorados parcialmente para pagamento de dívidas, mesmo que não sejam de natureza alimentar como obriga o CPC/2015.
Um exemplo dessa mudança de interpretação aconteceu recentemente. No dia 25 de março deste ano, a juíza de Direito, Andrea Ferraz Musa, da 2ª Vara Cívil, do Forum Regional XI – Pinheiros, em São Paulo (SP), determinou a penhora de 30% do salário de um devedor, cuja ação havia sido sentenciada em 2013 a favor do credor. A juíza, em seu despacho, entendeu que são nove anos sem que o executado tenha procedido ao pagamento de valores significativos. Mas se ele, neste tempo todo, tivesse destinado 10% de seus rendimentos para honrar a dívida constituída por sentença judicial, o débito já poderia estar quitado. No entanto, nesses nove anos, o exequente (credor) passou por sucessivas tentativas frustradas de execução do débito.
Ainda de acordo com a sentença, a magistrada reforça que a lei protege o salário com o objetivo de garantir que a pessoa tenha sua renda mensal para os gastos essenciais. Mesmo assim, não pode o assalariado deixar de pagar suas dívidas relegando o comerciante ou empresário de qualquer outro ramo à posição de eterno credor sem nunca receber o que lhe é de direito. Entende-se que um empresário vive da comercialização de produtos ou serviços, e que os valores provenientes dessas vendas também têm caráter alimentício.
A tendência é que decisões favoráveis à penhora de salários sejam cada vez mais comuns. Há, inclusive, jurisprudência a respeito e os empresários que passam por situações semelhantes para receber de seus devedores podem usar as decisões da própria Justiça como argumento para obterem os valores que lhes são de direito.
No ano passado, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Antonio Carlos Ferreira, ao analisar o Agravo em Recurso Especial nº 1775724 – DF, a respeito de uma sentença anterior determinando a penhora de 5% do salário do devedor, decidiu que “a regra geral da impenhorabilidade pode ser excetuada, ainda que para satisfazer crédito não alimentar, desde que ressalvado percentual para manter a dignidade do devedor e de sua família”. O ministro também concluiu que “a penhora de 5% da remuneração bruta mensal do agravante não prejudica a subsistência dele e de sua família, de forma que rever esse entendimento e acolher a pretensão recursal demandaria a alteração do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável nesta via especial ante o óbice da Súmula 7 do STJ”.
O que vemos tanto na sentença da juíza de São Paulo quanto na decisão do ministro do STJ é uma busca por conciliar as duas vertentes relacionadas ao princípio da dignidade da pessoa humana. Uma se refere ao mínimo necessário que uma pessoa – no caso o assalariado – precisa para manter condições dignas de vida e a outra a respeito do direito à satisfação executiva, ou seja, do credor efetivamente receber o seu crédito, afinal, é com tais recursos provenientes dessas vendas que ele mantém sua empresa, sua família e a si próprio. Mais do que isso, essa nova interpretação torna o ambiente de negócios juridicamente mais seguro ao empresariado nacional.
Fernanda Melendez é advogada do escritório Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados
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