O Ministério da Economia divulgou, na primeira semana de agosto, mudanças nas normas que regulam a atuação de tradutores e intérpretes públicos. Tais mudanças, contudo, apresentam uma falsa ideia de desburocratização, comprometendo a credibilidade das traduções de documentos do Brasil e colaborando para a precarização do trabalho profissional no segmento. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) já está no Supremo Tribunal Federal (STF) com relatoria do ministro Nunes Marques para reverter a Instrução Normativa assinada pelo Ministério da Economia.
Segundo a Federação Nacional dos Tradutores e Intérpretes Públicos (Fenatip), entre as alterações, a dispensa de concurso público para pessoas com grau de excelência em exames nacionais ou internacionais de proficiência é resultado de uma compreensão equivocada de que a mera proficiência em uma língua já habilita alguém a se tornar tradutor/intérprete, o que pode baixar o grau das exigências da experiência na profissão e, por consequência, a qualidade das traduções.
“A atividade de tradução está longe de ser um mecanismo literal. Um certificado de uma língua específica não verifica capacidades tradutórias. A mudança imposta não considera outras habilidades necessárias para o desempenho da função. Entre essas, podemos citar o domínio do idioma pátrio, a capacidade de interpretação de textos (escritos e orais) e de entender os aspectos culturais inerentes a eles, bem como o uso correto de técnicas de interpretação (consecutiva, simultânea, tomada de notas)”, destaca a presidente da Fenatip, Monica Hruby, que também é presidente da Associação dos Tradutores Juramentados do Rio de Janeiro.
No entendimento da Federação, a normativa do Ministério da Economia evidencia que a aceitação de certificados de proficiência irá justificar a não realização de concursos para a atividade. “Há anos, nós vínhamos fazendo campanha para que se abrissem concursos, uma prerrogativa das Juntas Comerciais de cada Estado. Os candidatos que atendessem aos requisitos para a aprovação eram todos nomeados, não havendo limitação de número de vagas”, explica a presidente da Federação, complementando que: “Não está em questionamento a necessidade ou não da nomeação de novos tradutores juramentados, mas sim a maneira como isso deve se proceder, em se considerando, principalmente, as diversas questões legais inerentes ao ofício”.
Na prática, não basta dominar um idioma. Para um tradutor público, é preciso também ter noção de leis e da paridade jurídica com o outro país ao qual o documento se destina. Conhecimentos que deixam de ser requeridos e podem prejudicar a validade internacional dos documentos traduzidos no Brasil. Dados coletados pela Fenatip indicam alguns exemplos da realidade nos Estados quanto aos concursos: SE (2013), PE (2011); CE (2010), SP (1999), RJ (2009), RS (2009) e MG (2008). “A solução do governo com a mudança na Lei foi jogar fora o bebê com a água do banho. Bastaria regulamentar a periodicidade do concurso ou pensar em outra solução nesse sentido. Os tradutores públicos nunca foram contra novos concursos para ampliar a oferta de profissionais”, defende Monica.
Ilusão na redução de custos – Outro ponto questionado pela Fenatip é a ideia de que as mudanças irão gerar redução de custos. O governo decidiu eliminar a tabela de emolumentos fixada pelas Juntas Comerciais que estabelece os valores a serem recebidos pela execução de traduções. “Não é melhor o cidadão saber quanto vai pagar pelo serviço? A falta de uma tabela gera insegurança. Em locais onde há atuação forte de empresas de tradução, pode haver alguma redução do valor devido à concorrência de preço. Mas, e a qualidade dos serviços?”, questionam os associados da Federação. Um levantamento feito por eles em julho de 2022 indica que a média nacional de uma lauda de tradução de profissionais concursados é de R$ 80,00. Há casos em que o valor chega a R$ 55,00, contradizendo o argumento de que são altos os custos.
Tratada como novidade, a liberação para que um tradutor atue em todo o território nacional tem pouco impacto, uma vez que isso já ocorria, especialmente depois da adoção de traduções juramentadas assinadas com certificado digital. Os tradutores já atuam em qualquer Estado, desde a publicação pelo governo federal do Cadastro Nacional de Tradutores e Interpretes Públicos(CNTPIc) para cidadãos, empresas ou órgãos, embora mantenham sua matrícula na Junta Comercial do Estado onde foram registrados.
A instrução normativa ainda dispensou os chamados livros obrigatórios, onde os tradutores fazem os registros das traduções. “Eis mais um ponto de insegurança. Os livros podem ser fiscalizados e, também, cumprem papel de arquivo. Qualquer pessoa consegue recuperar uma tradução com registro público e aí entramos em um esclarecimento necessário sobre traduções juramentadas: esse é um serviço muito necessário e utilizado em processos judiciais, conectados a documentos, como certidões e contratos. Em muitos casos, são as traduções as provas de um julgamento. Não é possível retirar dessa atividade tão respeitada a credibilidade que se construiu durante décadas”, finaliza a presidente da Fenatip.
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