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16 anos da Lei Maria da Penha, já é possível enxergar a ponta do iceberg

Por Jennifer Manfrin

É difícil fugir à sensação de que os casos de violência doméstica vêm aumentando de forma desenfreada nos últimos anos e que isso se deve à ineficácia da Lei Maria da Penha. Basta ligar a TV, sintonizar em uma estação de rádio, ou mesmo abrir algum portal da internet que você, certamente, vai se deparar com um caso paradigmático envolvendo uma mulher que foi brutalmente assassinada pelo seu namorado, marido ou parceiro, após decidir pôr um fim ao relacionamento.

 

No mesmo ritmo, acumulam-se comentários irresignados de diversos “especialistas da internet” que tentam diminuir a importância e os méritos da Lei, que em agosto completou 16 anos de existência. Alguns dizem: “Ele agrediu a esposa e no outro dia estava solto”; outros dirão: “mas as penas são muito leves!”, ou ainda: “16 anos de existência, e os casos só aumentam”.

 

De fato, é muito difícil não se indignar com situações como essas, todavia, é importante entender que a Lei Maria da Penha não determina se alguém ficará preso ou não, pois esse dever cabe ao Código de Processo Penal. Ela também não possui informações sobre as penas às quais alguém será condenado por determinado ato ilícito, pois essa função cabe ao Código Penal, e, por fim, nenhuma lei no mundo, independente do seu tempo de vigência, tem a capacidade de impedir o cometimento de crimes, se assim fosse, só conheceríamos o homicídio a partir da história, ou estória, envolvendo Caim e Abel.

 

Assim, a relevância da Lei Maria da Penha não está atrelada às penas ou procedimentos, mas sim às normas que visam a proteção da mulher vítima de violência, bem como regras sobre assistência, atendimento por equipe multidisciplinar, e as famosas medidas protetivas, que já evitaram que diversos casos de violência se desdobrassem em situações mais graves, como homicídios.

 

Note, portanto, que o real mérito da Lei está exatamente no que mais tem causado incômodo em relação a ela, que é o aumento dos casos notificados. Segundo levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), no ano de 2021, a cada minuto uma pessoa ligou para o 190, noticiando uma agressão decorrente de violência doméstica.

 

De outro giro, é relevante notar que a violência doméstica não é um problema exclusivo do Brasil. Ela parte de uma cultura machista que se desenvolveu de maneira forte em todo o mundo. Segundo o Estudo Global sobre Homicídios 2013, realizado pelo Escritório sobre Drogas e Crimes das Nações Unidas, enquanto na maior parte do mundo as vítimas de homicídio são homens, no Japão, país de primeiro mundo e uma das maiores economias globais, esse lugar é ocupado pelas mulheres, cujos homicídios superam 50% de todos os casos.

 

Portanto, embora a Lei mereça adequações, indubitável que ela deu segurança para a notificação dos casos, não possuindo relação com o seu aumento real. Na verdade, utilizando uma analogia, podemos dizer que ela fez com que “a maré baixasse”, e assim, fosse possível ver a pontinha de um iceberg gigantesco, que existe há muitos anos. Esse é o maior mérito da Lei Maria da Penha: difundir o conhecimento e dar segurança para que as vítimas denunciem a violência sofrida.

 

Diferente do que muitos pensam, a lei funciona muito bem com o intuito de prevenir que situações mais graves aconteçam. Em anos trabalhando na assessoria de magistrados no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, foram raros os casos em que, após a concessão de uma medida protetiva, a situação se desdobrou para algo pior.

 

Portanto, os casos de descumprimento de medidas protetivas são tristes e revoltantes exceções, que não podem servir para desestimular a apresentação de queixas sob o argumento de que “a lei não funciona”. A verdade é que a real diminuição dos casos de violência doméstica passará por uma mudança cultural na nossa sociedade. E podemos dizer que, por aqui, o primeiro passo foi dado em 2006, com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha.   

 

Jennifer Manfrin é Advogada, Especialista em Direito Aplicado e Professora nos Cursos de Pós-graduação em Direito na Uninter.

Escrito por Redação

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