A Cartilha Migrantes, Refugiados e Audiência de Custodia foi lançada na última semana, em evento na FAAP, e visa orientar os presos provisórios estrangeiros (refugiados ou migrantes) sobre seus direitos durante o seu primeiro encontro com um juiz, na audiência de custódia. Elaborada através de parceria entre o Instituto Pro Bono, o escritório Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown, Cyrus R. Vance Center, New York City Bar e BNY Mellon, com apoio do Chubb Rule of Law Fund, a cartilha está disponível para download em português, espanhol, inglês e francês. A introdução da cartilha foi assinada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos grandes responsáveis pela institucionalização das audiências de custódia no Brasil.
O material apresenta diversos possíveis cenários para os presos em flagrante, como a possibilidade de tratamentos de enfermidades, opções de presídios adaptados para pessoas com deficiência, guarda dos filhos, tratamento com a perspectiva de gênero e, em se tratando de estrangeiros, a comunicação da prisão à autoridade consular do país de origem. Segundo dados do Ministério da Justiça, baseado em informações fornecidas do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), aproximadamente um milhão de estrangeiros vivem no Brasil, além de mais de 60 mil estrangeiros com refúgio concedido.
O Ministro Ricardo Lewandowski, o qual assina a introdução da cartilha, pontuou que o primeiro encontro com o juiz é um momento crucial para o brasileiro preso em flagrante, de modo que, para um preso estrangeiro, a barreira natural do idioma pode ensejar ainda maior dificuldade. Afinal, é justamente na audiência de custódia que o preso terá a sua primeira oportunidade de informar doenças crônicas, tratamentos, deficiências, se possui filhos, com quem eles deverão ficar, o gênero com o qual se identifica, entre outros dados.
Ainda de acordo com o Ministro Lewandowski, a implementação das audiências de custódia foi um dos maiores avanços do Direito Processual Penal brasileiro, que possibilitou o encontro dos presos em flagrante com um juiz em até 24 horas, seja brasileiro, migrante ou refugiado. O Ministro Lewandowski acrescentou, durante o evento, que a audiência de custódia atende ao que prevê o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), dos quais o Brasil é signatário.
“A audiência de custódia, ao meu ver, foi uma revolução, um marco civilizatório importante”, ressaltou. As audiências chegaram a ser questionadas no STF, mas, posteriormente, a sua constitucionalidade foi confirmada.
A cartilha tem como objetivo não apenas informar os estrangeiros sobre os seus direitos, mas também auxiliar o Poder Judiciário e seus atores (tanto de investigação e persecução quanto de defesa) a buscar uma atuação em consonância com a legislação nacional e internacional, especialmente em casos mais específicos.
Parceria Internacional
A advogada Ana Luiza Martins, sócia do escritório Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown, que coordenou a elaboração do material, afirmou que muitos presos ainda enfrentam a falta de direitos básicos. “Essa cartilha perpassa direitos de migrantes e refugiados, mulheres, população LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. Não basta a existência de direitos: é preciso que exista uma comunidade comprometida para que esse direito chegue a todos os seres humanos”, reforçou.
“As diversas crises humanitárias recentes e o reflexo do fluxo migratório tornam o tema urgente. É muito importante que os migrantes e refugiados tenham conhecimento de seus direitos, sobretudo quanto à possibilidade de aguardar o julgamento em liberdade ou mesmo ter a prisão relaxada no caso de ilegalidade. O acesso a este tipo de informação é o que se espera com a edição da cartilha”, ressalta a coordenadora da cartilha.
Para Marcos Fuchs, diretor do Instituto Pro Bono, “a audiência de custódia é instrumento essencial na luta contra o encarceramento em massa no Brasil, pois ela evita a manutenção de uma pessoa presa de maneira ilegal, além de ser uma oportunidade de denunciar a ocorrência de qualquer tipo de violência ou tortura no momento da prisão. No Brasil, a violação de direitos, como tortura e maus tratos, pode acontecer no ato da prisão, tornando-a ilegal”.
Sobre a audiência de custódia
A Audiência de Custódia é um procedimento formal da Justiça brasileira em que se analisa as condições legais das prisões em flagrante. Nela, o preso se encontra pela primeira vez com um juiz, que verifica se a prisão se faz realmente necessária, ou se a pessoa presa em flagrante deverá responder em liberdade, ainda que, se for o caso, seja submetido a outras restrições menos severas. Pela lei, essa audiência deverá ocorrer em até 24 horas após o flagrante.
Nos casos em que o preso em flagrante for de outro país, a audiência de custódia poderá ser usada para que o preso solicite, por exemplo, que a autoridade consular de seu país seja informada de sua prisão.
Para migrantes, principalmente aqueles que não conhecem com profundidade a língua portuguesa ou a legislação nacional, essa etapa é decisiva. Embora a audiência de custódia não se destine a qualquer juízo de culpa ou de condenação, é a primeira oportunidade da pessoa presa de contar sua versão sobre os fatos, como as circunstâncias da abordagem policial no momento da prisão em flagrante, além de poder conversar com um defensor e prestar informações pessoais relevantes, como a existência de doenças crônicas ou graves, ou se possuem o status de refugiado ou se são solicitantes de refúgio, com a garantia de que, caso necessário, poderão receber o auxílio de um intérprete.
Uma dúvida comum entre os estrangeiros é o que acontecerá no caso de confirmação da prisão preventiva. Muitos acreditam que sua expulsão do país será imediata. Contudo, a legislação nacional prevê a possibilidade de o preso permanecer em solo brasileiro caso tenha filho(s) nascido(s) no país ou tenha recebido a condição de refugiado.
Perspectiva de gênero
A Cartilha “Migrantes, Refugiados e Audiência de Custódia” aponta ainda os direitos específicos para mulheres presas. Elas devem permanecer separadas dos homens, em estabelecimentos destinados ao sexo feminino. Aquelas que possuírem filhos poderão indicar um responsável para os cuidados com os menores de idade, além de buscar uma avaliação sobre o risco de a prisão ferir os direitos da criança.
Se a mulher estiver grávida ou com filho recém-nascido, ela deverá receber o tratamento adequado que permita os cuidados pré-natal e pós-natal, bem como permanecer com o bebê, respeitando o período de amamentação. A mãe também deverá ser consultada caso exista a possibilidade de enviar a criança para o país de origem, e, nos casos em que há acordos internacionais com o Brasil, também existe a possibilidade de que os dois retornem ao país de origem.
As pessoas LGBTQIA+ também possuem direitos específicos, sendo-lhes assegurado o aprisionamento dentro de sua preferência. No caso de mulheres transexuais, é garantido o direito de tratamento igual ao das demais mulheres em privação de liberdade, o que inclui o direito de utilização de nome social e de usar roupas de sua preferência, seja masculina ou feminina. No caso de travestis e gays em prisões masculinas, a legislação exige a destinação a espaços específicos para esses grupos.
Serviço
Cartilha “Migrantes, Refugiados e Audiência de Custódia”
Link para a cartilha: https://probono.org.br/
Comentarios
0 comentarios