Esta semana as falhas no processo de reconhecimento de suspeitos voltaram à discussão com a publicação na imprensa de um caso de prisão de um jovem negro condenado a 10 anos por roubo à mão armada, em São Paulo, com base em reconhecimento falho. Em Minas Gerais, o artista plástico Eugênio Fiúza de Queiroz, ficou injustamente preso por 17 anos ao ser confundido com um estuprador em série que agia em Belo Horizonte na década de 1990. Os crimes só foram esclarecidos em 2012, quando o verdadeiro autor foi preso. Em abril deste ano, o governo de Minas Gerais foi condenado a pagar R$ 2 milhões de indenização ao artista.
Isso prova que mudanças nos procedimentos para o processo de reconhecimento de suspeitos são mais que necessárias, diz o advogado criminalista Guilherme Martins. No entanto, alerta que enquanto não tiver uma mudança na lei para um dispositivo mais seguro, é preciso de fato respeitar as garantias do artigo 226 do Código de Processo Penal. “Hoje o CPP já normatiza o tema, mas falhas durante a investigação criminal continuam promovendo injustiças e a impunidade, por isso a importância de rever essas normas, mas principalmente a necessidade de que o artigo 226 seja literalmente cumprido. Atualmente esse artigo é totalmente desrespeitado”, afirma
Segundo o artigo 226 do CPP, há formalidades mínimas exigidas para garantir mais segurança ao processo. A vítima ou testemunha precisa descrever a pessoa que deve ser reconhecida e o suspeito deve ser colocado ao lado de outros que tenham características semelhantes. O reconhecimento deve ser feito sem que o suspeito veja a testemunha se houver indicativos de que ela possa se sentir constrangida ou ameaçada.
“O que temos hoje, é um descumprimento total desse artigo, principalmente nas delegacias de polícia. Infelizmente algumas pessoas entendem que o artigo 226 é mera formalidade, mas para nós, criminalistas, não. É sim uma garantia para o acusado, uma garantia que o reconhecimento pessoal será feito nos moldes estabelecidos pela lei, por isso defendemos que na delegacia todas as garantias devem ser dadas ao acusado”, afirma Martins.
Para o advogado, esse dispositivo tem de ser cumprido desde a delegacia, quando a vítima faz o primeiro reconhecimento para que não haja equívocos, inclusive na hora se ser refeito em juízo. “Quando o acusado ou investigado é levado ao reconhecimento baseado em uma investigação que não foi bem feita e sem as garantias necessárias, ficamos perto de cometer uma injustiça. Não adianta depois querer refazer o reconhecimento em juízo de maneira correta, após a vítima já estar contaminada com a imagem de uma pessoa que não é a autora do crime. A vítima se recorda do reconhecimento que foi feito na delegacia, e por estar viciada naquela imagem vai repetir em juízo”, explica.
Muitas vezes o reconhecimento, diz Martins, é a única prova que se tem para condenar ou absolver uma pessoa, por isso acaba sendo uma prova crucial em alguns crimes como, por exemplo, em roubo. Especialistas alertam que o despreparo dos agentes de segurança para promover o reconhecimento de forma adequada, como determina o CPP, torna a evidência ainda mais frágil.
Martins conta que, em sua carreira de advogado criminalista, não é raro se deparar com falhas no processo de reconhecimento. “Em um dos casos que atendemos no nosso escritório, testemunhas reconheceram na delegacia um suspeito que não estava no local dos fatos como o autor de um homicídio. Durante a audiência, no entanto, esse reconhecimento foi negativo, mas ainda assim a Justiça manteve a prisão preventiva dele”, lembra.
O advogado explica que em muitas delegacias, procedimentos totalmente equivocados são usados para fazer o reconhecimento. “Há casos em que fotos em um celular são mostradas para a vítima ou testemunha reconhecer, o que é completamente errado. Também é comum usar fotografias retiradas de redes sociais para submeter ao reconhecimento”.
Reformulação
O assunto é tão urgente que a Câmara dos Deputados debate uma série de alterações no CPP, entre elas as formas de reconhecimento de suspeitos.
Entre as propostas estudadas está a de fazer perguntas para o reconhecedor sobre a distância do suspeito e tempo que visualizou o rosto. Os envolvidos na discussão do novo código querem também que seja informado à testemunha que nenhum dos suspeitos apresentados pode ser de fato o criminoso e defendem que o reconhecimento seja corroborado por outras provas.
As regras para o reconhecimento fotográfico também devem ser revistas, com a adoção de critérios rigorosos, seguindo protocolos científicos. “É importante definir as regras para o reconhecimento e promover treinamentos para garantir que esses procedimentos sejam aplicados, de fato, nas delegacias espalhadas pelo Brasil”, afirma o criminalista.
O advogado Guilherme Martins
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