Nas últimas semanas tem aumentado noticiário sobre pessoas que não têm se apresentado para tomar imunizante contra a Covid-19, incluindo agendados para a segunda dose. A vacinação é um direito do cidadão, que pode optar em não tomar a sua dose e nem pode ser obrigado a fazê-lo. Entretanto, no caso da Covid-19, aqueles que não quiserem se vacinar irão enfrentar restrições, inclusive em seu direito de ir, vir e ficar, que poderão ser estabelecidos pela União, Estados, Municípios e pelo Distrito Federal, no âmbito de suas respectivas competências.
Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.586 – DF, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, teve a oportunidade de orientar toda a sociedade brasileira sobre a questão da compulsoriedade da vacinação contra a COVID-19 prevista na Lei n. 13.979/2020, enfrentando questão da máxima atualidade e relevância.
Citada lei, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência em saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, de 06 de fevereiro de 2020, já dispunha em seu art. 3º., III, “d”, que para o enfrentamento da emergência de saúde pública as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, a vacinação.
Aludido acórdão, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, deixa expresso o caráter obrigatório da vacinação, porém evidencia-se que não se admite a imposição de vacinação forçada, pois atualmente “não pairam dúvidas acerca do alcance de duas garantias essenciais asseguradas às pessoas: a intangibilidade do corpo humano e a inviolabilidade do domicílio.” Portanto, ninguém poderá ser compelido a tomar a vacina à forca, nem mesmo as pessoas podem ser buscadas em suas casas, pois se referem a direitos e liberdades fundamentais, que têm amparo no texto constitucional. Verifica-se que a mencionada limitação da compulsoriedade da vacina deve ser interpretada em conjunto com a autonomia do direito de liberdade dos cidadãos, respeitados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Porém, é inegável que o ato de se vacinar tem relevante apelo social e de âmbito de saúde pública, se justificando a imposição de sanções para aqueles que não observarem a citada medida. Como consta na mencionada decisão judicial as sanções aplicáveis são consubstanciadas, “basicamente, em vedações ao exercício de determinadas atividades ou à frequência de certos locais”. Menciona ainda que “o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) prevê a obrigatoriedade da “vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades”, estabelecendo penas pecuniárias “àqueles que, dolosa ou culposamente, descumprirem “os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda” dos menores (art.14, § 1º. e 249). Há, também, outros encargos específicos previstos em atos infralegais, vg na Portaria 1.986/2001 do Ministério da Saúde, que abrangem algumas categorias profissionais, como trabalhadores das áreas portuárias e aeroportuárias ou tripulantes e pessoal dos meios de transportes.”
Aludidas restrições deverão estar previstas em lei ou atos normativos válidos, sendo que a recusa, em tese, não caracteriza crime, segundo a melhor doutrina, porque para sua caracterização de se faz mister a prova do perigo concreto, não bastando a simples recusa em se vacinar.
Importante mencionar que a ementa do acórdão estabelece ainda outras limitações à compulsoriedade da vacinação da COVID, pois deixa expresso que “(A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.”
Por fim, citada decisão ratificou a posição do STF no sentido da existência de um “federalismo cooperativo” ou “federalismo por integração”, pois observa que “..o fato do Ministério da Saúde coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de vacinação não exclui a competência dos Estados, Municípios, e do Distrito Federal para adaptá-los às peculiaridades locais, no típico exercício da competência comum para “cuidar da saúde e assistência pública” (art. 23, II, da CF), deixando expresso que as sanções indiretas “podem ser implementadas tanto pela União, como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”.
Lembrem-se que o STF, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341, em 15 de abril de 2020, ou seja, no início da pandemia, já havia deixado expresso que “O exercício da competência da União em nenhum momento diminuiu a competência própria dos entes da federação na realização de serviços de saúde, nem poderia, …”. pois como “a finalidade de atuação dos entes federativos é comum, a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde, amparada em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial de Saúde.”
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