1. Qual a diferença entre médico autônomo e médico empregado?
A profissão de médico poderá ser exercida tanto de forma autônoma como em caráter subordinado.
O médico é considerado autônomo quando possui sua própria independência, isto é, dirige seu tempo e o seu trabalho, atuando como patrão dele mesmo.
Já o médico empregado desenvolve suas funções como colaborador permanente, em atividade normal do empregador, ainda que o faça em seu próprio consultório, desde que coexistam os requisitos caracterizadores da relação de emprego como a pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação (artigos 2º e 3º da CLT).
Pessoalidade na prestação dos serviços nada mais é do que a impossibilidade do trabalhador se fazer substituir por outra pessoa, devendo o serviço ser prestado exclusivamente por ele. Onerosidade é o pagamento de salário em contraprestação dos serviços prestados pelo trabalhador. O terceiro requisito, a não eventualidade, é a prestação dos serviços de forma habitual e contínua.
E por último a subordinação, considerado o principal requisito para caracterizar a relação de emprego. É visto como um estado de dependência, ou seja, o trabalhador estar sob as ordens do empregador, do seu poder diretivo, disciplinar, fiscalizatório e regulamentar.
2. Fui obrigado a emitir nota fiscal por pj. E agora?
Muitos hospitais e empresas que prestam serviços hospitalares exigem que o médico crie sua própria pessoa jurídica, incluindo como sócio o cônjuge ou outro parente, ou mesmo exige que o médico entre em sociedade já constituída com pequena porcentagem no contrato social.
Em um primeiro momento pode parecer atrativa, tanto para a instituição como para o profissional essa modalidade de contratação, sob a ótica de redução de encargos, como se configurasse um “contrato de prestação de serviços”, e não um contrato direto de emprego, visto que seria uma empresa pagando um serviço para outra, e não um CPNJ remunerando um CPF.
O artigo 9º da CLT dispõe que são nulos os atos praticados com o intuito de fraudar a aplicação da legislação trabalhista, por isso, consequentemente, um contrato ou exigência acobertada pela pejotização é nula.
Neste caso, estando presente os requisitos da relação de emprego como a subordinação, onerosidade, não eventualidade e pessoalidade, caracteriza-se o vínculo de emprego e a empresa fica obrigada a registrar o empregado e realizar o pagamento de todas as verbas oriundas da relação de emprego (férias, 13º salário, aviso prévio, FGTS, recolhimentos previdenciários etc).
Uma ressalva importante para a área médica, a decisão proferida nos autos do Recurso Extraordinário, das ADIs 5.735, 5.695, 5.687, 5.686 e 5.685 perante o STF que tratou da terceirização da atividade fim, não significa a permissão irrestrita, principalmente para a área médica, quando estiverem preenchidos os pressupostos do artigo 3º da CLT, haverá reconhecimento de vínculo empregatício.
3. Sou plantonista. Tenho direitos trabalhistas?
Não há uma previsão legal expressa que caracterize o médico ou enfermeiro como “plantonista”. Em princípio são considerados como plantonistas, aqueles que cumprem um mínimo de 12hs (doze horas) contínuas de serviço.
Assim, o plantonista terá os mesmos direitos trabalhistas que os profissionais que cumprem jornada de trabalho de 8hs (oito horas) diárias e 44hs (quarenta e quatro) horas semanais.
A escala de plantão para ser considerada válida tem que estar prevista em Acordo ou Convenção Coletiva. Caso contrário, o trabalhador terá direito a receber horas extras pelo labor excedente a 8ª (oitava) hora diária.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo, por meio da Resolução CREMESP nº 90/2000, vedou os plantões superiores a 24hs (vinte e quatro horas) ininterruptas, exceto em caso de plantões à distância.
4. Quais os direitos do médico previstos na lei nº 3.999/61?
4.1 Piso Salarial
O salário mínimo profissional dos médicos e dentistas que prestam serviços como empregados a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado é de 3 (três) vezes o salário mínimo e para os seus auxiliares e radiologistas, 2 (duas) vezes o salário mínimo (artigo. 5º da Lei 3.999/61 e Súmula 358 do TST).
4.2 Jornada de Trabalho
A jornada de trabalho dos médicos e demais profissionais de saúde é de 8hs (oito horas) diárias e 44hs (quarenta e quatro horas) semanais.
Acordo e Convenção Coletiva de Trabalho podem estabelecer o regime de plantão de 12×36, 12×48, 24×72 dentre outras.
Importa ressaltar que a Lei nº 3.999/61 regula tão-somente a remuneração mínima a ser observada para o médico e não a sua jornada de trabalho (Súmula 370 do TST).
A cada 90 (noventa) minutos de trabalho do médico, é devido um intervalo de 10 (dez) minutos para descanso (artigo 8º, § 1º da Lei 3.999/61).
O Artigo 384 da CLT também estabelece um intervalo de 15 (quinze) minutos exclusivamente para a mulher antes do início do labor extraordinário.
4.3 Horas Extras
Em regra, as horas extraordinárias laboradas devem ser remuneradas observando o adicional de 50% (cinquenta por cento) de segunda a sábado e de 100% (cem por cento) aos domingos e feriados.
Ocorre que alguns Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho podem estabelecer o adicional de forma diversa, como, por exemplo, a Convenção Coletiva entre o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do RJ e o Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Município do RJ.
A referida Convenção Coletiva determina o pagamento de horas extras com adicional de 50% (cinquenta por cento) para as 2 (duas) primeiras horas extras de 100% (cem por cento) para as demais.
Importante ressaltar que a não observância do descanso de 10 (dez) minutos a cada 90 (noventa) minutos de trabalho e ao intervalo de 15 (quinze) minutos exclusivamente para a mulher antes do início do labor extrajornada gera o dever de pagamento como horas extraordinárias.
4.4 Adicional Noturno
O trabalho noturno das 22hs (vinte e duas horas) às 5hs (cinco horas) deve ter remuneração superior ao diurno, com acréscimo de, pelo menos, 20% (vinte por cento) (artigo 9ª da Lei 3.999/61).
Importante ressaltar que cumprida a jornada de trabalho integralmente no período noturno e sendo esta estendida para o período diurno, também é devido o adicional noturno pelas horas trabalhadas após às 5hs (cinco horas) (Súmula 60 do TST).
Ou seja, se o trabalhador cumpre escala embarcado das 18hs (dezoito horas) até as 6hs (seis horas) do dia seguinte, será devido o recebimento do adicional noturno das 22hs (vinte e duas horas) até às 6hs (seis horas).
5. Sou obrigado a atender celular e cobrir ausência e emergências de colegas. Isso é sobreaviso?
O uso de aparelho celular ou outros meios telemáticos, por si só, não caracterizam o regime de sobreaviso.
Porém, se o trabalhador é obrigado a permanecer com o celular ligado após o horário de trabalho, devendo atender ligações para apoiar intervenções médicas emergenciais ou mesmo para cobrir falta de outro colega, tal empregado encontra-se sujeito ao regime de sobreaviso, fazendo jus à percepção do adicional (artigo 244, § 2º da CLT e Súmula 428 do TST).
Com a pandemia, existem médicos que realizam consultas pelo telefone ou telepresencial, encontrando-se sujeitos às mesmas situações em caso de trabalho presencial, dentro do hospital.
Não é necessário que o trabalhador efetivamente trabalhe durante o período de sobreaviso. O adicional é devido pela mera expectativa durante o seu frágil descanso, pois permanece aguardando sua convocação a qualquer momento, restringindo o seu direito à desconexão.
A empresa que obriga ao trabalhador a permanecer no regime de sobreaviso deverá realizar o pagamento na fração de 1/3 (um terço) da hora integral, acrescidos dos adicionais.
6. Todo médico tem direito ao adicional de periculosidade e insalubridade?
Aos médicos e demais profissionais de saúde é devido o recebimento do adicional de insalubridade em decorrência da exposição a agentes biológicos, como vírus e bactérias e contato com pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas.
O anexo XIV da Norma Regulamentadora nº 15 da Portaria nº 3.214/78 relaciona os agentes biológicos e o grau de insalubridade que determinará o recebimento do adicional em grau máximo (40%), médio (20%) ou mínimo (10%).
O Ministério do Trabalho, baseado no inciso VI do artigo 200 da CLT, estendeu através da Portaria nº 3.393/87 aos profissionais que trabalham expostos a radiação ionizante o recebimento do adicional de periculosidade na razão de 30% (trinta por cento) do salário base.
Muito se questiona se o adicional de insalubridade é calculado com base no salário mínimo, salário profissional ou salário-base do empregado.
Entendemos que o salário-base deverá ser a base de cálculo do adicional de insalubridade, até que sobrevenha legislação válida dispondo de forma diversa.
Isso porque a Súmula Vinculante 04 do STF determina que o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo.
Ainda que suspensa em decorrência por decisão liminar do STF, a Súmula 228 do TST determina que o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.
Há outra corrente que entende que a base de cálculo será o salário profissional, visto que o médico possui regramento próprio que determina o salário profissional equivalente a 03 (três) salários mínimos.
7. Quais os direitos do médico residente?
A residência médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação, sob a forma de curso de especialização. Caracteriza- se por treinamento em serviço e funciona sob a responsabilidade da instituição de saúde, universitária ou não, sujeita a orientação de médicos de elevada qualificação ética e profissional (artigo 1º da Lei nº 6.932/81).
As instituições de saúde só poderão propiciar a residência médica após o seu credenciamento pela Comissão Nacional de Residência Médica.
A admissão em qualquer curso desta natureza pressupõe processo de seleção, estabelecido por programa aprovado pela referida Comissão.
Os serviços são prestados a título de formação profissional e totalmente estranhos à relação empregatícia, sendo o médico residente filiado sistema previdenciário na condição de segurado autônomo (artigo 4º da Lei nº 6.932/81).
Os programas dos cursos de residência médica respeitarão o máximo de 60hs (sessenta horas) semanais, nessas incluídas um máximo de 24hs (vinte e quatro horas) de plantão (artigo 4º da Lei nº 6.932/81).
O plantão noturno terá duração de, no mínimo, 12hs (doze horas), observando o descanso obrigatório de 6hs (seis horas) consecutivas, por plantão noturno (artigos 1º e 2º da Resolução CNRM nº 1/2011).
O médico residente fará jus a um dia de folga semanal e a 30 (trinta) dias consecutivos de repouso, por ano de atividade (artigo 5º, § 1º da Lei nº 6.932/81).
A médica-residente tem direito, desde que atendidos os requisitos legais, à licença maternidade de 120 (cento e vinte) dias e o médico residente, a licença paternidade de 5 (cinco) dias (artigo 4º, § 2º da Lei nº 6.932/81).
Importante ressaltar que se a residência médica não atender às exigências legais, e reunindo os pressupostos da relação de emprego (artigo 3º da CLT), a relação jurídica estabelecida passará a ser disciplinada pelo Direito do Trabalho, formando assim o vínculo de emprego.
8. Adquiri o vírus do covid-19 no emprego. O que fazer?
Muito já se discutiu a respeito dos profissionais de saúde que adquirem covid no emprego. A posição majoritária e atual é que estes profissionais estão naturalmente mais sujeitos a contrair o vírus em seu local de trabalho (hospitais, enfermagens, clínicas e postos de saúde).
Pelo que, entende-se que o afastamento gerado pelo covid é um afastamento relacionado ao trabalho, e consequentemente gera estabilidade a luz da Lei 8213/1991, seu artigo 118, que assim prevê:
“Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.”
Normalmente, os hospitais não emitem o CAT (Comunicado de Acidente do Trabalho) de imediato, no entanto, o legislador, com o objetivo de combater a subnotificação, instituiu normas visando a facilitar a comunicação da doença ocupacional e ampliar a sua divulgação entre todos os interessados, para que possam tomar as medidas que entenderem cabíveis.
No caso de omissão ou resistência do empregador, a CAT também pode ser emitida pelo próprio trabalhador, por seus dependentes, pela entidade sindical competente, pelo médico que o assistiu ou por qualquer autoridade pública, mesmo após vencido o prazo fixado para a comunicação pela empresa.
Além disso, passou-se a exigir a emissão em quatro vias, com a seguinte destinação: 1ª via – INSS; 2ª via – segurado ou dependente; 3ª via – sindicato dos trabalhadores; 4ª via – empresa. É dever da empresa remeter as cópias para os destinatários mencionados, bem como informar ao segurado ou aos seus dependentes em qual agência do INSS a CAT foi registrada.
Finalmente, o Supremo entendeu por afastar o artigo 29 da mencionada MP 927/2020 (não convertida em lei, mas que nos permite nortear o assunto), que trata de excluir o covid como doença ocupacional, assim, o enquadramento como doença ou não será verificado o caso concreto, e, para a área de saúde, temos um grande contato com o vírus.
Assim, em constando o nexo entre a doença e o afastamento, o profissional terá estabilidade provisória no emprego de até 1 (um) ano após o retorno.
Autor:
Fernando de Castro Neves é advogado atuante na área trabalhista e sócio da Advocacia Castro Neves Dal Mas. Formado pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas com especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
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