Nos últimos dias está em discussão a Medida Provisória emitida pela Presidência da República que altera parcialmente o Marco Civil da Internet, estabelecendo novas regras que tornam muito difícil a retirada de perfis falsos ou que divulguem notícias inverídicas.
De um lado, defensores das alterações afirmam que está se ampliando a liberdade de expressão das pessoas ao permitir que opiniões não sejam retiradas das redes, mesmo que não tenham fundamento. De outro lado, os críticos dessa alteração afirmam se tratar de mudança de lei em benefício próprio, visando propiciar um terreno para a próxima campanha política, com a permissão de “fake news”.
Diante da divergência de opiniões, o especialista em Direito Digital, Francisco Gomes Júnior, explica que “a Medida Provisória merece uma análise técnica, jurídica. Antes de se discutir as alterações propostas é necessário verificar se a forma jurídica para as mudanças legais é adequada. E não é.”
Alerta o advogado que as Medidas Provisórias não podem alterar qualquer legislação, e que para isso devem preencher requisitos constitucionais. Segundo Gomes “uma medida provisória tem como premissa para sua admissão a relevância e urgência e neste caso específico é evidente não haver urgência, pois o que se quer é alterar uma lei de 2014. Não há por que alterar o Marco Civil da Internet através de uma Medida Provisória e sim através de um projeto de lei. O atalho escolhido está errado e certamente não vingará”.
Se Medidas Provisórias não servem para estabelecer as mudanças que se pretende, há que se imaginar que deverá ser barrada pelo Poder Legislativo ou mesmo pelo Judiciário. Já foi impetrado um Mandado de Segurança questionando a constitucionalidade da Medida Provisória. Aguarda-se o posicionamento do Presidente do Senado, que poderá devolver a Medida Provisória por conta dessa inconstitucionalidade e espera-se também uma decisão judicial do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de suspensão da Medida Provisória realizado no mencionado Mandado de Segurança.
“Não bastasse a forma ilegal, o conteúdo da Medida Provisória é problemático. Primeiro, porque estabelece uma interferência estatal em mídias privadas que tem autonomia em suas regras de uso, monitoramento e sanções. E para realizar-se tal interferência, altera-se o Marco Civil da Internet, um dos marcos do Direito Digital do país, considerada uma legislação das mais avançadas do mundo”, conclui Francisco.
De acordo com o texto da Medida Provisória enviada ao Senado, a remoção ou suspensão de contas e perfis somente poderá ocorrer quando houver justa causa, como divulgar nudez ou sexo explicito, estimular a prática de pedofilia, promover organizações criminosas ou terroristas, apologia às drogas, disseminar vírus de software ou ainda infringir normas editadas pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).
Por fim, ressalta Gomes que “ o rol de motivos que caracterizam justa causa, a gerar a retirada do conteúdo é taxativo, ou seja, não admite outras hipóteses. E dentre os motivos previstos não está a divulgação de notícias falsas ou opiniões sem embasamento que possam geram desinformação. É uma medida escabrosa tanto na forma quanto no conteúdo. Um retrocesso jurídico para o país com a destruição de um dos principais sustentáculos do mundo digital”.
Resta aguardar os desdobramentos que o Legislativo e Judiciário darão para a Medida Provisória.
Francisco Gomes Júnior, advogado sócio da OGF Advogados, formado pela PUC-SP, pós-graduado em Direito de Telecomunicações pela UNB e Processo Civil pela GV Law – Fundação Getúlio Vargas. Foi Presidente da Comissão de Ética Empresarial e da Comissão de Direito Empresarial na OAB. Instagram: fgjr
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