O Brasil irrompeu a marca negativa de 100 mil mortos e 3 milhões de infectados pela pandemia do COVID-19, o segundo em número de casos e mortos dentre os 188 países afetados. O mundo parou congelado com o horror produzido pela queda das torres gêmeas em Nova York em 2001, porém, agora, as mortes em solo brasileiro equivalem a queda das torres a cada três dias. E ainda existem pessoas que dizem que o COVID-19 não tem tanto impacto, que outras doenças matam muito mais. Não é verdade, o COVID-19, atualmente, ocupa a 3ª posição entre as doenças com maior taxa de mortalidade (48 para cada 100 mil habitantes), atrás apenas de doença isquêmica do coração e doença cerebrovascular, como o AVC. Isso porque temos apenas cinco meses de pandemia.
Paradoxalmente, vários Estados têm flexibilizado suas regras de isolamento social e caminham para a retomada, mesmo, com mais de mil mortes por dia, na média. São Paulo, o maior Estado da Federação, é responsável por um quarto dos falecimentos da pandemia e já trata a volta presencial às aulas como uma realidade a partir de setembro, com necessidade de anuência dos pais. No Rio de Janeiro temos praias lotadas, bares com elevada concentração de pessoas, baixo uso de máscaras, fiscalização sem produzir impacto, retorno do comércio de ambulantes, dentre outras medidas. O uso da máscara, o distanciamento e o respeito às regras sanitárias são relativizados e desprezados por parte da população. Assim, precisamos refletir sobre nosso momento sanitário.
A principal pergunta é: O Governo Federal fez tudo o que estava a seu alcance para proteger ou mitigar o impacto da pandemia à sua população? Será que o artigo 196 da Constituição Federal foi ou tem sido observado?
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A função do Governo Federal é garantir e efetivar a saúde para todos e, quando a pandemia se apresentou como um perigo real e concreto, seria dever do Presidente e sua equipe ter criado uma estratégia de isolamento social efetivo para minorar o impacto da pandemia. E o que foi feito? Na visão do Governo não poderia ser atrapalhado o fluxo de turistas para o carnaval.
De início, havia manifestações constantes do Presidente sobre os efeitos do COVID-19 no país. Era preferível não tê-las feito porque, a cada inserção, um resultado diametralmente oposto ao ideal era produzido: equiparação do vírus a uma “gripezinha”, sugestão de que um remédio distribuído pelo Sistema Único de Saúde trataria dos efeitos, algo que nunca foi comprovado cientificamente, além da defesa da reabertura, sem qualquer orientação concreta para os Estados e Municípios, a ponto do Supremo Tribunal Federal decidir que cada um teria competência para ditar suas próprias regras. O negacionismo do Governo Federal impediu a coordenação prévia das iniciativas do controle e incentivou a população a desrespeitar as regras de isolamento.
Como vimos, os Estados decidiram por si e os erros foram maiores do que os acertos. A ausência de uma diretriz uniforme, com uma intervenção federal nas decisões sanitárias estaduais, evidenciou a falta de preparo e estrutura dos Estados para o controle da pandemia. Prefeitos e Governadores hesitantes em perder capital político por adotar medidas impopulares, enquanto a saúde dos municípios claudicava. Conforme as mortes aumentaram o despreparo do Governo Federal se desnudou, duas mudanças no Ministério da Saúde, interferências claras do Presidente nos rumos da saúde, sendo que o país está quase metade do período da pandemia com um interino no cargo.
Mesmo com o elevado número de mortos ter alcançado um patamar elevado constante, os gastos com saúde foram no importe de 27,2% do orçamento para a pasta, o que o interino considera adequado”, neste momento. Gastar pouco com mais de mil mortes diárias. É hora de economizar?
Importante notar que os cem mil mortos supera a população de 94% dos 5.570 municípios brasileiros e parece que o Governo Federal normalizou o número médio de mil mortes diárias. Isso porque não temos a noção exata dos números por conta da subnotificação, o que pode aumentar o número entre 7 e 12 vezes, a falta de informações segue patente. A situação é grave porque se for prolongado um isolamento mais radical, a economia, que já se encontra em pandarecos, irá eclodir de vez, contudo, se abrir realmente, há um risco concreto de uma segunda onda de pandemia com resultados incertos, mas, potencialmente ainda mais danosos. Logo, o que fazer?
Primeiramente, o Governo Federal assumir o protagonismo e disponibilizar os recursos necessários para liberar os insumos que viabilizarão os quase 10 milhões de testes que estão represados. Ademais, precisa fornecer apoio logístico para os estados conterem seus casos, com a necessidade de indicar um direcionamento, para tanto, claro está que se faz urgente a nomeação de uma pessoa experiente para o cargo de Ministro da Saúde. Além disso, é preciso mostrar à população que os cuidados sanitários não são opcionais, visto que a saúde de todos está em jogo, que o impacto da pandemia é grave, severo, as consequências são incertas e que aquela premissa inicial de que somente uma pequena parcela da população com faixa etária específica corre mais risco não mais é válida, o vírus não escolhe suas vítimas, não há preferência por faixa etária e sim por falta de cuidados.
O novo normal é se importar com a vida do próximo, fazemos parte de um todo no qual o desleixo de uns podem representar a morte de muitos. A mudança e o exemplo devem vir do Governo Federal com reflexo direto na população, zelo, cuidado sanitário e medidas de proteção não são opcionais, assim como nossas vidas, que haja respeito pelo ser humano em todas as esferas de comportamento, não é um gripezinha e ela não irá se curar ou ser menos letal com atitudes sanitárias inadequadas. Se você deseja ter sua vida cotidiana de volta faça sua parte: use máscara, álcool, se proteja e cuide de seus entes queridos, o Brasil agradece.
Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela
PUC/SP, presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OABSP –
Subseção do Butantã
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