Com uma exposição sobre o tema “Dolo eventual e culpa consciente”, teve início na quarta-feira (2) o curso de extensão universitária Temas relevantes de Direito Penal, promovido pela Escola Paulista da Magistratura (EPM). A aula inaugural foi ministrada pelo desembargador Guilherme de Souza Nucci, que coordena o curso com o juiz Ulisses Augusto Pascolati Junior, ambos coordenadores da área de Direito Penal da Escola. A abertura dos trabalhos foi feita pelo diretor da EPM, desembargador Luis Francisco Aguilar Cortez. Ele afirmou que a Escola deve aos magistrados coordenadores a boa aceitação dos cursos. “O Direito Penal tem sofrido importantes mudanças e o professor Guilherme Nucci é dos mais qualificados para trazer as informações atualizadas sobre o tema, não só teóricas, mas também práticas”, ressaltou.
Em sua exposição, Nucci esclareceu a distinção entre dolo e culpa e abordou os conceitos de dolo direto (vontade consciente de praticar a conduta) e dolo eventual (vontade consciente de atingir determinado resultado, vislumbrando a possibilidade de atingir outro e assumindo o risco de produzi-lo). Explicou que na culpa também há vontade consciente de perseguir determinado resultado, mas o outro resultado produzido, previsível, pode comportar duas situações: culpa inconsciente (falta de previsão do agente, que age com desatenção) e culpa consciente (previsibilidade do resultado por parte do agente, que “espera sinceramente que ele não aconteça”). Exemplificou com condutas de motoristas imprudentes que desrespeitam o sinal vermelho e colidem com outro carro: aquele que não viu a aproximação do veículo, embora pudesse prever essa possibilidade; e aquele que viu o carro, mas acreditou que conseguiria passar a tempo.
O magistrado observou que, como o dolo concentra o desvalor no resultado e não na conduta (pune o resultado desejado), a pena prevista no Código Penal para um homicídio doloso é alta (seis a trinta anos), mas no caso do culposo, em que o autor age com imprudência, a pena é bem menor (um a três anos). “Vivemos em uma sociedade cada vez mais complexa e perigosa, com profusão de veículos, armas e drogas, e o que está acontecendo na prática no Judiciário, não apenas no Brasil, é o deslocamento da culpa consciente para o dolo eventual, porque muitas condutas que eram consideradas imprudências ou acidentes de percurso, estão virando obrigação de não acontecer, como dirigir embriagado e provocar um acidente”, ponderou, asseverando a necessidade de limites.
Nesse sentido, sugeriu a criação de uma terceira figura, intermediária entre o dolo eventual e a culpa consciente, a “culpa gravíssima”. Ele ressaltou que essa figura não existe no Código Penal, mas já foi incorporada ao Código de Trânsito Brasileiro, mencionando o artigo 308 do CTB, parágrafo 2º, referente à conduta de racha: “Se da prática do crime previsto no caput resultar morte e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de cinco a dez anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo”. Acrescentou que, com a alteração, a pena de um racha com morte, para o qual atribuiria a culpa gravíssima, praticamente foi equiparada à de um homicídio doloso simples (seis anos). “O legislador do trânsito se antecipou e criou a figura da culpa consciente com uma pena muito superior àquela normalmente atribuída à culpa inconsciente e esse é o ponto que precisa ser alterado no Código Penal”, concluiu.
Fonte: TJSP
Comentarios
0 comentarios